Moderadamente radical ou Radicalmente moderado?

A mundividência radical, que reduz a leitura da sociedade a dualidades como bom-mau, inimigo-aliado, certo-errado, preto-branco, deixou de ser património exclusivo dos extremos.

Os tempos que vivemos têm sido marcados pela polarização. O centro está a diminuir e as margens a crescer. Não só a política, mas também as nossas discussões, opiniões e relações têm sido influenciadas por este movimento centrífugo. A mundividência radical, que reduz a leitura da sociedade a dualidades como bom-mau, inimigo-aliado, certo-errado, preto-branco, deixou de ser património exclusivo dos extremos. De diferentes formas, a sua linguagem tem-nos influenciado a todos.

É difícil manter-se imune perante este movimento de polarização. Primeiro, porque acontece tanto à nossa volta como dentro de nós próprios. Segundo, porque fazê-lo implica aceitar ser alvo de fogo cruzado. A moderação é vista como uma afronta por qualquer radical, independentemente da sua ideologia. A prudência é entendida como fraqueza, o silêncio como cobardia e a conciliação como traição. A atração dos moderados pelos tons de cinzento tornam-nos estrangeiros num ambiente onde tudo é preto e branco.

Identifico, em mim e nos outros, duas formas de reagir perante a polarização e o crescimento do radicalismo. Resumi-as da seguinte forma: ser-se 1) moderadamente radical, ou 2) radicalmente moderado [1]. Comecemos pela primeira.

A moderação é vista como uma afronta por qualquer radical, independentemente da sua ideologia. A prudência é entendida como fraqueza, o silêncio como cobardia e a conciliação como traição.

Ser moderadamente radical significa ceder apenas até certo ponto a um tipo de radicalismo, em vista a combater o outro tipo de radicalismo, que consideramos pior. É vista como um “mal necessário” para se conseguir enfrentar  o poderio dos nossos adversários, que levam atualmente uma grande vantagem sobre nós. Porque enquanto não o fizermos, eles continuarão a crescer, e nós a perder. “Tempos extraordinários requerem medidas extraordinárias,” é o principal lema desta postura.

Apesar de sentir muitas vezes a vontade de ceder a uma visão moderadamente radical em certos temas, não vejo esta postura como parte da solução para a polarização a que assistimos. Porque não creio que, a longo prazo, se possa ceder apenas parcialmente à perspetiva radical, nem acredito que a polarização se combata com mais radicalismo, mesmo que numa versão soft. “Equilibrar a balança,” apesar de ser uma ideia atraente e que nos faz sentir bem connosco próprios por uns momentos, não me parece representar um bem em si, nem me parece que contribua para o bem comum.

À alternativa a ser moderadamente radical, dei o título radicalmente moderado. Que significa isto? Que em vez de prescindirmos de uma parte da moderação, a (re-)assumimos de forma radical. Em vez de cedermos ao radicalismo soft, que nos puxa para a esquerda ou para a direita, optamos por mergulhar em profundidade, à procura da raiz da moderação. É este o caminho que pretendo, para mim e para a sociedade.

A defesa desta alternativa deve começar por uma constatação de facto: são poucos os moderados que, nas últimas décadas, o foram verdadeiramente, o que manchou inevitavelmente esta postura. Mas é sempre possível recuperá-la.

Apenas uma postura radicalmente moderada é capaz de abraçar a complexidade do momento que atravessamos e, a partir daí, construir lentamente um caminho justo e inclusivo, capaz de romper com este ciclo.

Ser radicalmente moderado significa não ignorar, na análise e no discurso, da ambiguidade que a realidade apresenta. Implica ser crítico e fiel aos seus juízos e princípios, mesmo quando contrários aos interesses dos que estão a seu lado. Ser exigente nos princípios e na procura da realidade, combatendo continuamente os preconceitos que a adulteram e simplificam. Estar disposto a mudar de opinião quando a razão assim o exigir. Não ceder a pequenos prazeres destrutivos ou demagógicos. Ouvir para escutar, conversar para conciliar, parar para digerir. Sobretudo, e porque muito mais poderia ser descrito, aceitar que a realidade é superior às ideias.

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Bobby Kenedy numa manifestação em defesa dos direitos de americanos negros. Fonte: https://www.npr.org/2013/02/08/171191898/walking-enthusiasts-to-retrace-steps-of-1963-kennedy-march

Numa primeira fase, esta postura não evita o fogo cruzado de que se é alvo, nem resolve magicamente a polarização. Continuar-se-á a ser acusado de mornidão, complacência e, sobretudo, de medo: de se comprometer, de decidir, de acreditar e defender os seus princípios. É inevitável e compreensível que assim seja. Mas estou convencido que, eventualmente, ser-se radicalmente moderado demonstrar-se-á como a única forma de se combater a polarização. É a única forma de interromper o ciclo vicioso que o combate do radicalismo através do radicalismo instalou, e para o qual contribuem as atitudes moderadamente radicais. Apenas uma postura radicalmente moderada é capaz de abraçar a complexidade do momento que atravessamos e, a partir daí, construir lentamente um caminho justo e inclusivo, capaz de romper com este ciclo.

O caminho não é fácil, nem lhe conhecemos o fim. Porque existirão sempre novos tons de cinzento para conhecer, e novos desafios para enfrentar. Mas estou convencido de que é possível percorrê-lo, desde que acompanhados. Com a certeza de que se nos atrevermos a fazê-lo, não seremos os primeiros, nem os últimos.

 

[1] A expressão radicalmente moderado é utilizada livremente neste artigo, nunca se referindo à micro-ideologia política “Radical Centrism”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.