E quem é que pensa nos que servem?

Estabelecer a regulação de uma profissão que cuida das fatias mais marginalizadas é, necessariamente, caminhar para profissionais mais conscientes, mais bem formados, mais atentos, menos exaustos e mais dedicados ao que realmente importa.

Não querendo enganar os leitores, adianto já que o serviço do qual se trata neste artigo é especificamente o dos profissionais do Serviço Social, isto é, os assistentes sociais.

Escrevo sobre este tema porque recentemente, no dia 5 de julho, foi aprovado na Assembleia da República o projeto de lei que cria a Ordem dos Assistentes Sociais. O tema pode parecer apenas relevante para os profissionais do setor e o assunto bastante próprio desta área, mas não é.

Explicitando o contexto, esta ordem profissional vem sendo reivindicada pelos assistentes sociais há mais de 20 anos. Recordo ainda a primeira vez que me falaram no assunto, eu era ainda aluna do primeiro ano da licenciatura de Serviço Social e isto aconteceu há 18 anos. Em todo este tempo muita discussão aconteceu, muitas e diferentes abordagens dos diferentes partidos com assento no Parlamento sem que nada acontecesse. Nunca desistimos, mas foi demasiadas vezes bastante frustrante porque o assunto morria recorrentemente na praia, já mesmo em sede parlamentar. Fomos, inclusive, “ultrapassados” por outras ordens profissionais que começaram os seus processos muito posteriormente. Mas se há característica que, por inerência de funções, os assistentes sociais devem ter é resiliência. Os processos de mudança verdadeira são sempre lentos e com muitas pedras no caminho. Esse é o nosso quotidiano, como não poderia ser o da luta pela nossa identidade profissional?

E qual a diferença que a Ordem faz na vida dos profissionais, na vida das pessoas a quem servem e, consequentemente, na vida da sociedade portuguesa? Faz toda a diferença. Imaginem o poder de um médico sem mecanismos de regulação, de um advogado sem aferição das suas capacidades ou de um contabilista certificado com toda a liberdade do mundo.

Os processos de mudança verdadeira são sempre lentos e com muitas pedras no caminho.

Pela positiva, a Ordem dos Assistentes Sociais vem regulamentar a profissão e os que a exercem, na medida em que define que licenciaturas e/ou que experiência profissional é significativa para a exercer, passando a ser obrigatória a inscrição na Ordem para obter a cédula profissional, cujo requisito de contratação passa a ser obrigatório. Servirá ainda para a definição e controlo de critérios deontológicos das práticas e para defender o grupo profissional como um todo, trazendo a possibilidade de dar visibilidade ao seu trabalho escondido mas imenso (nem que fosse em número: somos cerca de vinte mil) e indispensável.

Na minha humilde opinião, vem sobretudo defender mais e melhor aqueles a quem servimos: seja através da defesa das suas causas, da diminuição de preconceito relativamente às populações mais vulneráveis, pela apresentação de dados concretos do nosso trabalho que quebram as visões deturpadas do senso comum e de novas possibilidades de debate, diálogo e estudo científico. A Ordem permite-nos ser um parceiro social a ter em conta junto do Governo e da Assembleia da República e imprimir pressão para a construção de políticas socialmente justas neste campo.

Estabelecer a regulação de uma profissão que cuida das fatias mais marginalizadas é, necessariamente, caminhar para a existência de profissionais mais conscientes, mais bem formados, mais atentos, menos exaustos e mais dedicados ao que realmente importa, porque humanamente mais robustos: cuidar dos que foram empurrados para a margem da estrada.

O Serviço Social defende os valores da Dignidade Humana, da Liberdade e da Justiça Social. Esses valores são os que tornam uma sociedade, não necessariamente mais forte, mas seguramente melhor.

Se uma sociedade trata mais e melhor os que tiveram acesso a menos oportunidades, pelas mais variadas razões e contextos, também ela própria é mais saudável e cresce de uma forma mais sustentável.

A criação desta Ordem não é para nós, é para que todos tenham mais e melhor vida.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.