Os portugueses e a Europa: 66% de abstenção vs. 60% de legislação

Confesso-vos que, para mim, que comecei a minha vida profissional a estudar a China, uma ditadura onde a dissidência se paga muitas vezes com a morte, a forma displicente como muitos abdicam de exercer o seu voto é chocante.

“Além de triste, a apatia nacional mostra um absoluto desfasamento com o momento histórico que atravessamos, que será determinante para o futuro da União Europeia.”

“Algures nessa noite [eleitoral] vamos perceber que estamos num filme muito diferente. Vamos voltar a discutir a abstenção brutal, a meteorologia, os que trocaram o voto pela praia, as urnas por um passeio, a ida à escola ou à junta pelo supermercado, que a vida são dois dias e há eleições a seguir ao verão. Vamos perguntar, mais uma vez, porque não podemos votar em qualquer lugar do território nacional. Logo agora, que a fragmentação já se nota e o espaço para o nacionalismo já está cavado. Somos como os outros, mas nem sequer votamos.” Ricardo Costa, “A Praia ou as Urnas”, in Jornal Expresso, 19 de Abril de 2019, p. 40.

Estas citações demonstram bem o paradoxo das eleições europeias. Por um lado, a enorme abstenção se tivermos em conta que nas últimas eleições 66% dos portugueses não foram votar. Por outro lado, a relação com a União Europeia (UE) que é crucial para a nossa vida sendo comummente aceite que cerca de 60% da legislação hoje em dia venha de Bruxelas.

Hoje, dia 25 de Abril, é ainda mais relevante falarmos da abstenção face às próximas eleições.

Em particular quando os vários movimentos e partidos populistas se mobilizam por essa Europa fora. E a maior parte deles com financiamento da Rússia de Vladimir Putin. Os populismos são muito heterogéneos mas há algumas características em comum sendo uma delas “o seu posicionamento anti-UE”. E esta mobilização que contrasta com a nossa “apatia” deve ser um sinal ainda mais forte para nos acordar.

Como fazer face a este “filme muito diferente”? É importante ouvir as propostas de especialistas como as do Pedro Magalhães, que foi orador numa das sessões do “Ouvir Portugal” organizado pelo CDS, desta feita em Santarém, sobre a “adoção de medidas como o alargamento do voto por correspondência, da votação antecipada, nomeadamente colocando urnas em locais como universidades, ou do voto domiciliário a pessoas com limitações físicas, já adotadas noutros países e que criam “pressão social no sentido da participação”.

Para quem gosta tanto dos Antigos Gregos e Romanos como eu há muitas lições que podemos retirar da sua história e do seu legado. Uma delas é simples: complacência é sinal de decadência. E depois da decadência vem o caos.

Para além destas propostas há ainda algo que nós podemos fazer no nosso dia-a-dia, nas nossas famílias, locais de trabalho, com os nossos amigos: a pedagogia sobre a importância de exercer o direito de voto. E enquanto cristãos é nosso dever votar e participar na vida política e no espaço publico da nossa sociedade.

Em particular num pais como Portugal que teve um seculo XX muito pouco democrático e liberal: para além da óbvia, longa e dolorosa Ditadura salazarista também não nos podemos esquecer da restrição do direito de voto e participação política levados a cabo pela Primeira República.

Confesso-vos que, para mim, que comecei a minha vida profissional a estudar a China, uma ditadura onde a dissidência se paga muitas vezes com a morte, a forma displicente como muitos abdicam de exercer o seu voto é chocante. E basta olhar para muitos países por esse mundo fora onde a democracia continua a ser uma miragem e ver como tanta gente gostaria de estar no nosso lugar. Em especial as mulheres. Penso sempre em tudo o que as sufragistas sofreram em países como os EUA ou em solo britânico no início do século passado, para que hoje eu possa votar.

E se é verdade que a abstenção dos jovens é uma “batalha” que temos de agarrar tentando comunicar de forma mais eficaz, a abstenção como um todo é uma espécie de “canário na mina”. Para quem gosta tanto dos Antigos Gregos e Romanos como eu há muitas lições que podemos retirar da sua história e do seu legado. Uma delas é simples: complacência é sinal de decadência. E depois da decadência vem o caos.

 

O apelo do Papa à participação na política:

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.