O bispo de Cabinda deve ser cabinda?

A notícia recente da nomeação do Padre Belmiro Chissenquete, espiritano, como bispo de Cabinda provocou certas reacções na imprensa, invocando esta que o bispo de Cabinda deveria ser alguém originário do enclave.

Encontrava-me em Luanda quando foi noticiada a nomeação do Padre Belmiro Chissenquete, espiritano, como bispo de Cabinda. A propósito desta nomeação pontifícia, surgiu na imprensa, quase imediatamente, um comunicado, em jeito de carta aberta à Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe (CEAST), que tem por título: “Porque não um bispo cabinda?”

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Novo Bispo de Cabinda - Agência Ecclesia

O referido protesto, bastante extenso, mais do que eclesial é político. Infelizmente, o tom agressivo, que roça o insulto e a provocação avulsa, retira-lhe qualquer credibilidade. Provavelmente, não é representativo dos cidadãos de Cabinda, nem certamente dos cristãos desta diocese.

É verdade que há argumentos históricos que fundamentam a singularidade que deve ser reconhecida, a nível constitucional e eclesial, ao enclave de Cabinda que, como é sabido, se situa fora da continuidade geográfica que define a grande nação angolana. Os politólogos podem discutir a viabilidade de uma Cabinda independente, e os constitucionalistas podem invocar os argumentos histórico-jurídicos em que se fundamenta a sua autonomia, mas à Igreja não compete fazer juízos dessa natureza. Há que respeitar os que são partidários da autonomia deste território, bem como os que defendem a sua integração no Estado angolano. Todos, certamente, concordam na necessidade do reconhecimento da singularidade daquele território e na conveniência de que essa sua característica esteja reflectida a nível constitucional e eclesial.

Do ponto de vista da organização administrativa da Igreja, dá-se a feliz circunstância da Conferência Episcopal que integra o enclave de Cabinda ser plurinacional, na medida em que dela fazem parte todas as dioceses de Angola e ainda a de São Tomé e Príncipe. Portanto, da integração de Cabinda na CEAST não se pode inferir que a Igreja católica esteja a tomar partido quanto à sua eventual independência ou integração em Angola. Se uma tal associação não é desonrosa para os cidadãos de São Tomé, que é um Estado soberano reconhecido como tal pela comunidade internacional, a integração da diocese de Cabinda na CEAST não só não fere as suas legítimas pretensões políticas, como também se justifica por razões de ordem histórica e linguística.

No referido comunicado, entre outras muitas considerações, pergunta-se: “Com tantos padres nativos formados e capazes, porque devemos continuar sob a acção pastorícias (sic) dos angolanos”?

Com certeza que o pastor deve conhecer bem as suas ovelhas e, por isso, em geral, será conveniente que o bispo respectivo proceda do clero local. Esta é a tradição da Igreja que, contudo, é católica, ou seja universal. Quer isto dizer que não é uma Igreja nacional, nem muito menos regional ou provincial. Por isso, o patriarca de Lisboa não tem de ser alfacinha – os cardeais Cerejeira e Ribeiro eram minhotos – nem o bispo do Porto tripeiro. Por vezes, será conveniente que o bispo proceda do presbitério a que vai presidir, mas outras vezes será melhor que tenha outra procedência, até porque, como se costuma dizer, santos de casa não fazem milagres. Era, aliás, por esta razão, que os juízes eram ‘de fora’, porque alguém que fosse da terra não oferecia as garantias de isenção que se espera e exige ao magistrado judicial.

Em Portugal, nomeadamente no patriarcado de Lisboa, a escassez do clero local obrigou à ‘importação’ de padres estrangeiros, nomeadamente africanos, indianos, espanhóis e italianos. Em tempos passados, vários sacerdotes holandeses – recorde-se o saudoso Padre Dâmaso – e irlandeses também exerceram em Portugal o seu ministério sacerdotal. Se alguns desses padres oriundos de outros países desempenham funções de responsabilidade na diocese em que actualmente trabalham, não seria de estranhar que algum viesse a ser promovido ao episcopado. E, se tal acontecer, com certeza que os seus fiéis não se vão considerar diminuídos na sua dignidade, nem ‘colonizados’ pelo seu novo pastor que, em caso algum, será, como agora acusam o novo bispo de Cabinda, um ‘mercenário’. Consta, aliás, que Lisboa já teve um bispo inglês, quando os cruzados britânicos ajudaram o primeiro Rei de Portugal a reconquistar a cidade aos mouros.

Seria lamentável que, por um excesso de nacionalismo ou um exagerado provincianismo, a Igreja esquecesse que, desde a sua fundação, é católica: o primeiro bispo de Roma era originário da Terra Santa e o actual é sul-americano! Nem sequer são do mesmo continente e, contudo, ninguém considerou que a sua distante origem fosse óbice para o desempenho do seu actual múnus eclesial.

Curiosamente, no referido comunicado escreve-se também: “a Igreja de Cabinda deu cinco bispos à Igreja de Angola e é uma das poucas dioceses subsarianas com uma média muito elevada de padres formados superiormente”. Mas, será lógico afirmar que um angolano que seja bispo em Cabinda é um ‘mercenário colonialista’ e que um cabinda que seja bispo em Angola, como cinco já o foram, o não é?! Ou pretende-se também que, doravante, todos os sacerdotes de Cabinda fiquem proibidos de ascender ao episcopado em qualquer diocese que não seja a sua terra natal?! Mesmo que, em termos políticos, pudesse admitir-se essa pretensão, nunca o seria, em termos cristãos e eclesiais, porque a Igreja é católica e é também, em todos os seus ministros e fiéis, essencialmente missionária.

Também é de saudar que o novo bispo de Cabinda, D. Belmiro Chissenquete, seja religioso espiritano. Também a este nível a Igreja deve ser católica: não apenas pela abertura da sua hierarquia a ministros de todas as raças e nacionalidades, mas também pela representação de todos os seus carismas no seu episcopado. Neste sentido, o Papa Francisco, o primeiro jesuíta que é bispo de Roma, é um sinal de universalidade ecuménica dentro da própria Igreja católica, e um sinal de esperança para todos os que sonham com uma comunhão eclesial mais inclusiva e fraterna.

Quando a graça do Paráclito desceu sobre os apóstolos, “começaram a falar várias línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (Act 2,4). Que o Senhor abençoe o senhor bispo de Cabinda e o seu novo ministério, e conceda a todos os fiéis dessa diocese a graça de entender que, pela voz do seu bispo, é Deus quem lhes fala!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.