Djunta Mon: ou a certeza de que só juntos conseguimos alcançar os sonhos

Portugal, no século XXI, é um estado nação menos coeso socialmente, mais diverso etnicamente, mais multicultural, do que o Portugal de 1974. Temos que adaptar o país a estas mudanças.

A língua cabo-verdiana contém, como todas as línguas, expressões com uma riqueza sociológica tal que se mostram difíceis de traduzir. É o caso da expressão “Djunta Mon” que, com simplismo, poderíamos entender como “juntar as mãos”, mas que significa avançar juntos, que significa “só todos juntos conseguimos” ou, “sem vocês não seria possível”. Djunta Mon é uma expressão que parece que vem do futuro, de um pequeno Estado insular que intersecta três continentes e que em dez pedacinhos de terra se fez país, que se juntou a outros arquipélagos migratórios e se fez pátria transnacional.

Vem isto a propósito de Portugal atingir, dia após dia, novos máximos de imigração. Uma história das migrações para Portugal tem, em lugar de destaque, a imigração cabo-verdiana. Foram os e as imigrantes de Cabo Verde que suportaram nos seus braços as tarefas que, pouco a pouco, os portugueses não queriam ou não podiam fazer. Exemplos não faltam e o agradecimento ao seu contributo nunca será demais. Porém, se a história reconhece o seu papel de pioneiros, hoje a realidade migratória é mais complexa e com outra escala. Jamais, na história multissecular do país, tantos indivíduos nascidos no estrangeiro escolheram o território nacional para aqui viver ou para aqui viver e trabalhar. O número total supera já o milhão de pessoas, entre imigrantes e cidadãos com dupla nacionalidade. Nem falo dos turistas que hoje estão e amanhã já se foram.

Jamais, na história multissecular do país, tantos indivíduos nascidos no estrangeiro escolheram o território nacional para aqui viver ou para aqui viver e trabalhar. O número total supera já o milhão de pessoas, entre imigrantes e cidadãos com dupla nacionalidade. Nem falo dos turistas que hoje estão e amanhã já se foram.

Portugal está a mudar. É hoje um local onde se cruzam culturas com muitas origens e é, pela primeira vez em muito tempo, um espaço social e sociológico em que se sente que o passado tal como nos foi ensinado e o futuro como nos foi descrito pelos adivinhadores encartados está a ser reescrito, está a projetar-se numa realidade bem mais diversa, bem mais global. Num passado ainda bem presente, os imigrantes eram de países de língua portuguesa, alguns da Europa de leste e uns poucos da Ásia. Hoje, basta descer a Av. Almirante Reis ou a Rua de Sá da Bandeira, a Ferreira Borges em Coimbra ou a Luísa Todi em Setúbal (para usar apenas nomes do Monopólio da minha infância) para percebermos que a diversidade de fisionomias ou de línguas faladas suplanta os sotaques lusos e a biodiversidade das tribos urbanas.

O país, tal como o conhecíamos ou como o imaginávamos, mudou. Hoje somos uma comunidade bem menos homogénea, bem mais diversa, mais global. E ainda bem. Já não somos apenas o país onde o preto é cor, mas o país de todas as cores, credos e culturas. E ainda bem. Passámos de xailes pretos e lenços na cabeça – a cheirar a uma pobreza rural estrutural e aos bairros pobres das cidades- para cheiros a especiarias do mundo inteiro. Somos de novo um cais das colunas, mas onde agora o mundo vem fazer selfies. Os mesmos bairros que viram, há duas gerações apenas, chegar gente das Beiras ou do Alentejo acolhem agora gente das montanhas do teto do mundo ou da Ceilão que Camões cantou. E ainda bem.

Não há um único dia em que os migrantes não contactem conosco ou nós com eles. Na cadeia de distribuição que nos encaminha produtos e serviços há sempre mãos de imigrante a semear, a colher, a transportar. Nas escolas dos nossos filhos há crianças e jovens filhos de imigrantes, com sotaques, palavras e expressões que não conhecíamos. Gente pequena (e não só) que usa a língua que pensávamos ser nossa como se sempre tivesse sido a deles, mas com mais açúcar, mais especiarias, mais cachupa, mais piripiri, mais tempura. E ainda bem. Deixámos de ser, pelo menos para já, uma população que vai envelhecendo porque não substituímos gerações, para uma população em que os escalões etários das idades ativas estão a ser nutridos com trabalhadores imigrantes. E ainda bem. Nos últimos anos, pese embora o grande número de emigrantes, a população portuguesa tem um saldo migratório positivo e um saldo natural menos negativo. Graças à imigração. E ainda bem.

Deixámos de ser, pelo menos para já, uma população que vai envelhecendo porque não substituímos gerações, para uma população em que os escalões etários das idades ativas estão a ser nutridos com trabalhadores imigrantes. E ainda bem. Nos últimos anos, pese embora o grande número de emigrantes, a população portuguesa tem um saldo migratório positivo e um saldo natural menos negativo. Graças à imigração. E ainda bem.

Portugal, no século XXI, é um estado nação menos coeso socialmente, mais diverso etnicamente, mais multicultural, do que o Portugal de 1974. Temos que adaptar o país a estas mudanças. Tal significa adaptar as nossas instituições sociais fundamentais a esta mudança. Por instituições sociais entendo realidades como a Família, o Estado ou a Igreja, o Trabalho ou a Escola. Na senda de Max Weber, entendo estas instituições como fundamentais para a integração do indivíduo na sociedade, para que o individual se funda com o todo de uma forma socialmente coesa.

Por instituições sociais entendo realidades como a Família, o Estado ou a Igreja, o Trabalho ou a Escola. Na senda de Max Weber, entendo estas instituições como fundamentais para a integração do indivíduo na sociedade, para que o individual se funda com o todo de uma forma socialmente coesa.

Há um corpo teórico sobre o modo de promover a coesão social de sociedades com uma pressão migratória elevada. Há, também, múltiplos exemplos do que não se deve fazer, do que podemos evitar por não ter resultado em outras geografias migratórias. Enfim, podemos partilhar boas práticas e falhanços estrondosos. O que não podemos fazer é esperar que seja o Estado, essa construção social imaginada, a fazer o que cada um de nós não é capaz. Não podemos esperar que os imigrantes que agora chegam da Ásia se tornem iguais aos nossos primos de Trás-os-Montes. Não podemos esperar que esta integração seja instantânea e perpétua. Podemos promover o encontro entre as nossas diferenças, aprender com quem sabe algo diferente, ensinar o que outrora aprendemos.

No ar começa a ouvir-se um ruído de fundo, com um objetivo de tática ideológica, querendo instrumentalizar as migrações e os migrantes no sentido de criar um “eles” e um “nós” que se opõem e divergem nos seus objetivos. Este mesmo movimento percorre sociedades à nossa volta e as consequências sociais e políticas começam a fraturar estes países, dando lugar ao caos e a atos plenos de desumanidade. Não creio que possamos ficar calados perante a tentativa de normalizar a xenofobia, de fechar a porta, de nos imaginarmos como superiores. Fazendo deste texto uma carta aberta a todas as gerações que o lerem, fazendo destas palavras um mote para iniciativas futuras, fazendo deste tempo novo uma nova oportunidade, façamos deste princípio humanista uma mnemónica coletiva: é tempo di nu djunta mon. Seremos um Portugal diferente se soubermos agir de acordo com que o futuro nos exige que é sermos um “nós” pleno e inteiro, com todos os que aqui vivem e trabalham, independentemente de onde vêm, da cor da sua pele ou dos credos com que expressam a sua religiosidade. Num tempo de mudança é tempo de voltarmos a ser o que sempre quisemos ser: uma comunidade de iguais.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.