Diplomacia chinesa e o Twitter: anatomia de um falhanço em 2020

A decisão de usar o Twitter como uma ferramenta diplomática não tem corrido bem aos diplomatas chineses.

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Fonte: https://twitter.com/AntoineBondaz/status/1291714819763187716/photo/1

Este ano tem sido intenso, difícil e muitas vezes exasperante. A pandemia não exclui ninguém e todos nós tivemos que nos adaptar. O mais difícil é não termos a certeza de quando é que podemos voltar à normalidade. Não vemos ainda a luz ao fim do túnel. Tal como esta vivência quotidiana, a política internacional também foi afetada. Desde logo, os populistas e demagogos que desdenham a ciência e os peritos tomaram decisões cujas consequências têm sido dramáticas e trágicas para as suas populações. Infelizmente, os exemplos são muitos, mas é suficiente destacarmos o pesadelo que tem sido vivido pela população brasileira e pelos cidadãos dos Estados Unidos da América.

Para além desta dimensão humana (ou melhor dizendo humanitária) o ano de 2020 trouxe-nos algumas novidades. Uma delas foi a aposta sistemática e em massa da diplomacia chinesa no Twitter. Estamos mais habituados desde 2017 a associar Twitter e «diplomacia» a Donald Trump. No entanto, a China decidiu apostar de forma oficial no Twitter. O ponto de partida é sem dúvida a ironia desta decisão já que o Twitter está proibido na China. Com esta premissa percebemos o objetivo: chegar melhor e mais rápido às sociedades democráticas.

O ponto de partida é sem dúvida a ironia desta decisão já que o Twitter está proibido na China. Com esta premissa percebemos o objectivo: chegar melhor e mais rápido às sociedades democráticas.

A presença no Twitter começou verdadeiramente há cerca de um ano e foi acelerada, quer em novos utilizadores quer em quantidade de tweets, pela pandemia. Na verdade, pela necessidade de controlar os danos relativos à gestão desastrosa pelas autoridades chinesas. Hoje é consensual que durante semanas a dimensão do surto (que se transformou em epidemia e depois em pandemia) era amplamente conhecida das autoridades chinesas. Durante essas semanas, Beijing andou num jogo do «gato e do rato» levando à disseminação do vírus a nível global.

O Twitter surgiu assim como uma forma de comunicação diplomática muito interessante. Mas, depois de vários e muitos tweets desastrosos … revelou ser contraproducente. Durante este ano, e tendo em conta as várias decisões contrárias ao interesse nacional da China, nomeadamente, em matéria de 5G na Europa, o tom, as expressões e o estilo «wolf-warrior» de vários diplomatas foi aumentando de intensidade. Na verdade, os diplomatas chineses encontraram uma grande dificuldade quanto à forma e ao estilo. Aquilo que funciona «dentro de casa» e agrada ao Camarada Xi Jinping, não funciona de todo nas sociedades europeias e, em especial, no Twitter, uma rede que se caracteriza muitas vezes pela ironia. Em relação à Europa há tantos exemplos desta agressividade que a escolha se torna difícil. Mas se tivesse que exemplificar seria através da conta da Embaixada chinesa em França. A linguagem utilizada durante os últimos meses é frequentemente pouco diplomática.

Em suma, a decisão de usar o Twitter como uma ferramenta diplomática não tem corrido bem aos diplomatas chineses. Na verdade, tem funcionado como uma montra da China de Xi Jinping e o fim da retórica «win-win» e da narrativa da «Ascensão Pacífica».

 

Fotografia de Joshua Hoehne – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.