Dar Sentido ao Futuro

Em vez de esperarmos que outros resolvam tudo por meio de um decreto-lei, assumamos o nosso papel e comecemos já nós a habitar o futuro que queremos ver amanhã.

I.

Quando olhamos, como sociedade, para o futuro, não são boas as perspectivas que vemos. As alterações climáticas ameaçam o nosso modo de vida e prometem forçar o aparecimento de novos refugiados. A digitalização põe em risco milhões de postos de trabalho em todo o mundo. O crescimento económico prevê-se letárgico. O Estado Social parece incapaz de responder aos desafios da depressão demográfica e da velocidade do mercado de trabalho. As tensões geopolíticas adensam-se, assim como o receio de um conflito em grande escala. Instabilidade, precariedade, insegurança tornaram-se palavras comuns no nosso léxico.

Perante tudo isto, que futuro podemos sonhar? Como decidimos o que vamos ser, se amanhã provavelmente vai ser pior do que hoje? As gerações passadas confiadamente esperavam viver melhor do que os seus pais, mas podem dizer o mesmo os jovens de hoje? Quem nos ajuda a desejar o futuro?

Estas questões são cruciais, pois é o futuro esperado que orienta a nossa vida. De facto, vivemos voltados para o futuro. O que fazemos agora está mais em função dum futuro projectado do que propriamente dum presente que rapidamente passa.

Viktor Frankl, famoso psicoterapeuta que sofreu o terror dos campos de concentração, observou como os prisioneiros que «estavam conscientes de terem uma tarefa a realizar tinham mais probabilidades de sobreviver» (O Homem em Busca de um Sentido, p. 107). No seu caso, o que o nutria era o projecto de reescrever um manuscrito que lhe fora confiscado no dia em que chegou a Auschwitz. O que motivava estes homens e mulheres não era o presente, mas sim o futuro: a esperança dum futuro melhor, onde ainda havia sonhos a concretizar. Mesmo ali, onde parecia não haver saída.

A vida faz-se de olhos postos no futuro, pondo o presente ao serviço da esperança que nos alimenta, sem o negligenciar. Na verdade, é esse futuro que ajudará a viver bem o presente, a tomar a vida nas mãos e assumi-la em consciência, responsabilidade e liberdade.

Voltemos às questões iniciais.

Aparentemente, as únicas vozes que hoje prometem melhorar a nossa vida são as dos populistas, que se colocam como o messias esperado que nos livrará das elites corruptas e protegerá os nossos interesses. Mas as suas soluções simplistas ignoram a complexidade dos desafios que enfrentamos e, a prazo, privam-nos de liberdade e enfraquecem as instituições democráticas. Por outro lado, a política actual não tem mostrado grande capacidade para alcançar acordos e propor verdadeiros caminhos de futuro.

Neste contexto, é interessante o estudo de Yascha Mounk (Povo vs. Democracia: Saiba porque a nossa liberdade está em perigo e como a podemos salvar), professor de ciência política em Harvard, sobre o crescimento dos populismos e o enfraquecimento da democracia. Mounk verifica que os votantes de Trump não são, na sua maioria, os mais pobres dos pobres.  São, antes, uma classe média baixa que ainda não caiu na pobreza e tem uma vida ainda relativamente confortável, mas que tem receio de que o futuro lhe traga maiores dificuldades. São os que têm uma instrução relativamente baixa, com trabalhos instáveis e susceptíveis de serem substituídos por robots e que habitam um contexto social que sugere que a sua cidade ou estado está a regredir.

O aspecto essencial, como nota Mounk, é que não são propriamente as circunstâncias presentes que ditam o voto nos populistas, mas sim o receio de um futuro pouco esperançoso. Mais relevante do que a realidade económica actual, é a angústia económica face ao que está para vir. Os populistas seriam uma bóia de salvação perante a incapacidade do establishment para resolver os problemas das pessoas.

Quando não vemos um futuro promissor, buscamos alternativas que o ofereçam. Os populismos, contudo, não parecem capazes de cumprir o que prometem.

Mas as suas soluções simplistas ignoram a complexidade dos desafios que enfrentamos e, a prazo, privam-nos de liberdade e enfraquecem as instituições democráticas.

II.

Nas celebrações do 10 de Junho de 2019, João Miguel Tavares pedia que nos «dessem alguma coisa em que acreditar». No passado, unimo-nos para lutar pela liberdade, consolidar a democracia e aderir ao Euro. Mas agora que projecto comum temos? O que nos faz, como comunidade, viver o presente de olhos postos no futuro? — De tal forma que esse futuro comum contribua para que cada pessoa sonhe também o seu próprio futuro e tome a sua vida nas mãos.

Possivelmente, esta é a questão fundamental a que temos de responder, tanto a nível local como nacional ou global. Que sentido queremos dar à nossa vida comum? Que futuro queremos construir? Os populismos provavelmente não são a solução nem tão pouco as políticas identitárias, que nos fragmentam em vez de nos congregarem. Mas os actuais governantes também parecem incapazes de apontar caminhos.

Então, o que nos resta? Talvez uma via seja olhar para as boas práticas já existentes que nos lançam para o futuro e juntarmo-nos para conversar sobre elas. Ir além das teorias (sem as negar), experimentar as realidades que já emanam o aroma da esperança e dá-las a conhecer, para que estas possam florescer como uma proposta unificadora e mobilizadora.

Em março, o Papa Francisco vai reunir em Assis milhares de jovens economistas e empreendedores sociais precisamente para isto: cruzar investigação e boas práticas, com vista a pensar uma economia mais humana e inclusiva e gerar um movimento de esperança no futuro.

Se os políticos não apresentam soluções, façamo-nos nós à estrada. Não numa negação da política, mas tornando-nos agentes políticos, agentes da polis, à nossa escala, comprometidos com a comunidade e visando influenciar decisões. Em vez de esperarmos que outros resolvam tudo por meio de um decreto-lei, assumamos o nosso papel e comecemos já nós a habitar o futuro que queremos ver amanhã.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.