A Páscoa e as ‘fake news’

Nem sempre é fácil provar a falsidade de uma notícia. Às vezes, o tradicional desmentido tem até um efeito contraproducente, porque dá mais relevo ao boato. Mas é urgente comunicar com verdade.

Logo por azar, este ano a celebração católica da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo calhou, em Portugal, em pleno dia das mentiras! Qualquer ateu, atento ao calendário, seria levado a crer que esta aziaga coincidência desmente a principal verdade da fé cristã. Convém não esquecer que os ateus, ao contrário do que se pensa, são geralmente muito mais crentes do que a maioria dos crentes!

O Evangelho é uma notícia, a boa nova da nossa salvação, mas só os cristãos reconhecem a sua veracidade. Os que não professam a fé cristã pensarão que é apenas mais uma ‘fake news’, até porque hoje parece praticamente impossível comprovar a sua autenticidade: mesmo o testemunho dos mártires pode ser posto em causa, porque também houve pessoas que morreram por religiões falsas e teorias erradas.

Se duas afirmações são opostas, uma delas é, em virtude do princípio de não contradição, falsa. Mas nem sempre a autenticidade de uma proposição é evidente. De facto, tendo Jesus morrido, poderia não ter ressuscitado: é até o que, por regra, acontece aos que morrem. Mas também podia ressuscitar, porque a Deus nada é impossível (cf. Lc 1, 37). Nem sequer a reação piedosa dos seus seguidores permite concluir a veracidade da ressurreição, porque também uma notícia falsa pode gerar reações desse género.

Nem sempre é fácil provar a falsidade de uma notícia. Às vezes, o tradicional desmentido tem até um efeito contraproducente, porque dá mais relevo ao que até então não tinha nenhuma entidade e que, por essa via, ganha até uma certa importância.

Se alguém afirma que a pessoa A, ou a instituição B, são corruptas, algumas pessoas serão levadas a crer que há alguma verdade nessa afirmação. Se o caluniado protestar a sua inocência, poucos acreditarão na sua defesa, porque isso mesmo é o que se espera de alguém que é acusado, sobretudo se for culpado.

Neste sentido, a calúnia é sempre eficaz, até porque, em muitas mentes menos esclarecidas, prevalece o hipócrita provérbio que alimenta muita murmuração: não há fumo sem fogo! Foi aliás o que disseram de Jesus Cristo os membros do Sinédrio, quando interrogados por Pôncio Pilatos sobre a culpa daquele que entregavam ao governador romano para que fosse crucificado: “Se não fosse um malfeitor, não o entregaríamos nas tuas mãos” (Jo 18, 30).

A multidão, que depois exigiu a sua crucifixão, também não quis saber de razões: é o que acontece quando a justiça se deixa levar pela cegueira das paixões. Um judeu sovina – também os há cristãos, muçulmanos, ateus, agnósticos, etc. – pode fazer sovina todo um povo, como também um padre pedófilo lança uma ignominiosa suspeita sobre todos os outros presbíteros.

Dos doze apóstolos, só Judas foi traidor: todos os outros são hoje venerados como santos mártires. Para um judeu avarento, há com certeza muitos outros que são generosos com os seus bens e as suas vidas. O terrível escândalo provocado por um padre pedófilo não deve sobrepor-se à santidade de muitos mais sacerdotes, como os pais e maridos que abusam de menores – como são a maioria destes criminosos – também não infamam a santidade do matrimónio, nem fazem menos digna a paternidade.

Também por ocasião da ressurreição de Jesus, surgiram algumas ‘fake news’. A primeira foi até veiculada por Maria Madalena, uma das mais santas seguidoras do Nazareno, quando foi dizer a Pedro e João que tinha sido roubado o corpo de Cristo (cf. Jo 20, 2). É verdade que o cadáver do Mestre já não estava onde tinha sido sepultado e que, em princípio, aquela ausência só poderia ser humanamente explicada se atribuída a alguém, na medida em que um corpo sem vida não pode, por si próprio, deslocar-se. Era, sem dúvida, uma suposição correcta na quase totalidade dos casos, mas não naquele. Ao contrário do que a discípula tinha suposto, ninguém tinha roubado o corpo de Jesus, por mais que o seu desaparecimento pudesse levar a crer que assim tinha acontecido.

Talvez na política, como alguém disse, o que parece, é. Na realidade, pelo contrário, há muitas aparências que iludem e compete a todos, sobretudo aos que foram constituídos em autoridade, ou exercem cargos relevantes na comunicação social, não se deixarem enganar, nem precipitarem os seus juízos, sobretudo quando está em causa o bom nome, a liberdade ou a vida de alguém, ou de alguma instituição. Também aqueles que, por negligência ou precipitação, divulgam ‘fake news’ são moralmente responsáveis pelo dano causado.

Quando a ressurreição de Cristo já constava com toda a certeza, dadas as suas repetidas aparições às santas mulheres, a Pedro, aos discípulos de Emaús e ao grupo dos apóstolos, para apenas referir as que tiveram lugar no próprio dia, outro falso boato foi posto maliciosamente a circular, desta feita pelos principais entre os judeus. É Mateus quem o diz: “alguns dos guardas foram à cidade e noticiaram aos príncipes dos sacerdotes tudo o que tinha sucedido. Tendo-se eles reunido com os anciãos, depois de tomarem conselho, deram uma grande soma de dinheiro aos soldados, dizendo-lhes: ‘Dizei: Os seus discípulos vieram de noite e, enquanto nós estávamos a dormir, roubaram-no. (…)’. Eles, recebido o dinheiro, fizeram como lhes tinha sido indicado. E esta notícia divulgou-se entre os judeus e dura até ao dia de hoje” (Mt 28, 11-15). Comenta, a este propósito, Santo Agostinho: “astúcia miserável! Apresentas testemunhas adormecidas?! Verdadeiramente estás a dormir tu mesmo, ao imaginar semelhante explicação” (Enarrationes in Psalmos, 63, 15).

As ‘fake news’ não são apenas notícias falsas, são também más notícias. Aquele que é mentiroso e pai da mentira é também assassino (cf Jo 8, 44): quando não pode matar pelo aborto, pela guerra, pela eutanásia ou pelo homicídio, mata o bom nome de inocentes, através de atentados contra a sua fama. Por isso, o Evangelho não é apenas uma notícia verdadeira, é também e principalmente uma boa notícia, porque a mentira faz-nos escravos do ódio, enquanto a verdade nos liberta. Na realidade, o Evangelho é sempre a mesma boa notícia que o pai jubilosamente transmitiu ao irmão mais velho do pródigo: “este teu irmão estava morto e reviveu, tinha-se perdido e foi encontrado” (Lc 15, 32).

O tempo de Páscoa deve ser um tempo de fé, não apenas na ressurreição de Cristo, mas de quantos foram também crucificados pela opinião pública, pelas ‘fake news’, pelas murmurações maldosamente sugeridas nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas conversas de café, nos cochichos das comadres, etc. Que cada cristão, neste tempo de aleluia, dê um bom testemunho da sua condição cristã pelo seu amor à verdade e pelo seu respeito pela dignidade de todos os seus irmãos ‘pródigos’. Por muito vergonhosa que tenha sido a sua ‘prodigalidade’, mais forte é sempre o amor e o poder de Deus em os ressuscitar!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.