Os sentimentos educam-se?

Há fatores que condicionam em algumas pessoas a sua capacidade de empatia. Mas a nossa empatia também foi sendo preparada cada vez que alguém nos disse: “já viste como o teu irmão ficou triste e magoado com o que lhe fizeste?".

Em encontros com educadores ou adolescentes faço muitas vezes esta pergunta: “os sentimentos educam-se?”. É sempre significativo o número de pessoas que responde que não: os sentimentos são espontâneos.

Ressalvando sempre o perigo de generalizações, é possível dizer que uma boa parte da sensibilidade cultural que nos configura valoriza de um modo decisivo tudo o que é espontâneo. Há uma certa identificação entre espontaneidade e liberdade. Nesse sentido, falar em educação dos sentimentos poderia soar a uma velada coação da “verdade” e “autenticidade” humanas.

As emoções humanas são essenciais para a nossa compreensão do mundo e para o modo como nos situamos diante dos outros e da realidade. Incomodam-nos as pessoas que desejam controlar cada aspeto da sua vida ao ponto das suas emoções parecerem pré-programadas e à prova de qualquer aceno de espontaneidade. Felizmente, somos muitas vezes surpreendidos por sentimentos inesperados que nos fazem perceber o que se passa em nós e à nossa volta de um modo novo. Mas as emoções e os sentimentos não são uma mera fatalidade.

O genuíno sentimento de gratidão que hoje experimentamos foi preparado pelas incontáveis vezes que na nossa vida a palavra “obrigado” foi antecedida pela imperativa frase “como é que se diz?”. Há fatores que condicionam em algumas pessoas a sua capacidade de empatia. Mas a nossa empatia também foi sendo preparada cada vez que alguém nos disse: “já viste como o teu irmão ficou triste e magoado com o que lhe fizeste?”.

Lembro-me de uma polémica em torno da questão se se devia ou não obrigar as crianças a beijar os avós. É certamente possível identificar situações em que forçar esse gesto pode ser desadequado. E é também fundamental que cada pessoa aprenda desde cedo a respeitar a sua própria intimidade, sendo livre nos gestos de afeto que dá e recebe.  Mas entender que a vontade e a sensibilidade das crianças vêm autoeducadas pode ser arriscado. Temer em demasia condicionar as crianças, deixar de fora toda e qualquer “imposição” levará a emoções incapazes de encontrar o modo mais próprio de expressão. É também desta incapacidade que nascem as tiranias.

Por isso, educar os sentimentos exige estar atento ao que se passa dentro das crianças, para que aprendam a reconhecer e expressar os sentimentos mais sombrios que as habitam sem medo de juízos.

Um alerta importante. As emoções também se educam aprendendo a reconhecer, sem medos ou tabus, tudo o que se sente. Por isso, educar os sentimentos exige estar atento ao que se passa dentro das crianças, para que aprendam a reconhecer e expressar os sentimentos mais sombrios que as habitam sem medo de juízos. Se uma criança diz, depois de ter sido contrariada, “eu não gosto do pai”, mais do que um grande sermão, talvez valha a pena esperar pelo momento oportuno para uma boa conversa. À hora de deitar, por exemplo, pode explicar-se que o pai se preocupa com ela e quer o seu bem. Pode ainda dizer-se que, às vezes, as pessoas que amamos nos dizem coisas de que não gostamos, mas que isso não significa que não gostemos delas. No fundo, será ajudar a criança a compreender o que realmente sentiu: irritou-se com o pai, mas, muito provavelmente, não deixou de gostar dele.

Não é possível pré-programar o que vamos sentir em cada momento. Mas é possível educar a nossa sensibilidade de modo a que, em cada situação, as nossas emoções nos ajudem a dar as nossas ações o sentido que nos permite ser quem somos. Talvez assim possamos ir respondendo ao apelo da Carta aos Filipenses: “Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus” (Fl 2, 5).

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.