E depois disto tudo?

Conseguiremos sair disto tudo com um país parecido com o país que fomos nos últimos dois meses? Isso era muito bom!

Nos últimos dois meses, terá ocorrido, eventualmente, a maior mudança social e económica a que já assistimos nas nossas vidas. Provavelmente, depois de tudo o que se passou, nada voltará a ser como era no mês de fevereiro de 2020.

Um vírus, ainda pouco conhecido, provocou uma alteração tectónica em todas as nossas rotinas vitais: na saúde, no trabalho, no convívio, na família, na mobilidade, na confiança, nos serviços públicos, no espaço urbano, na intimidade, nos gestos, nos receios e, consequentemente, no futuro que projetamos.

Estamos, ainda, a tentar compreender o que vivemos e sentimos muitas dificuldades em conseguir projetar o que se vai seguir a este presente confuso. Perdemos o controlo de muitas das certezas com que construíamos o nosso conforto e, com isso, passámos a caminhar em permanente negociação num frágil equilíbrio em que a imprevisibilidade é o mais previsível.

De um momento para o outro, a necessidade de garantir a nossa saúde (e a dos nossos familiares e amigos mais próximos) tornou-se a dimensão mais básica e importante da nossa vida. Todas as restantes dimensões da nossa vida se condicionaram à nossa saúde: em duas semanas, o país reorganizou-se, para salvaguardar a saúde dos seus concidadãos; milhões de pessoas ficaram confinadas em casa, centenas de milhares a trabalhar remotamente; espaços públicos fortemente condicionados ou inacessíveis; escolas encerradas; liberdades restringidas de forma inédita, em democracia; famílias separadas dos seus mais velhos; fronteiras fechadas, como há muito não se via; quarentenas forçadas; espaços públicos vazios; economia a afundar.

Percebemos que somos e temos um país extraordinário que se agiganta quando tem mesmo que ser e, quando tal acontece, somos muito bons no que fazemos, como aconteceu, tantas vezes na nossa quase milenar história.

Nestes dois meses, no meio desta pandemia e do pandemónio que criou, percebemos o valor de termos políticos competentes, serviços públicos de qualidade, uma solidariedade social pública presente, um serviço público de saúde de acesso universal e com profissionais qualificados e dedicados, forças de segurança ativas e solícitas e portugueses/as responsáveis e solidários. Percebemos que somos e temos um país extraordinário que se agiganta quando tem mesmo que ser e, quando tal acontece, somos muito bons no que fazemos, como aconteceu, tantas vezes na nossa quase milenar história.

No momento da crise, unimo-nos, cerrámos fileiras, lutámos como podíamos e, pelo que sabemos, no momento presente, estaremos a vencer, a cada dia, um dos mais importantes desafios das nossas vidas.

E depois disto?

Já sabemos que o rasto desta crise vai ser tremendo, económica e socialmente. Vemos, ouvimos e lemos que as filas para o levantamento de alimentos aumentam diariamente; percebemos que o número de desempregados cresceu e continuará a crescer até taxas que deixámos para trás, com muito sacrifício; milhares de empresas lutam pela sobrevivência que está dependente de uma dinamização económica que tardará em se evidenciar, pela circunstância sanitária; o estado irá, inevitavelmente, perder muitos impostos e parte considerável das contribuições sociais e, em sentido inverso, irá gastar muito mais em apoios económicos e sociais o que se traduzirá em mais dívida e mais défice. Em síntese, não teremos economia suficiente para gerar a riqueza que esta crise destruiu e, dessa forma, o nosso país voltará a cair numa situação mais difícil do que aquela de que saímos recentemente.

Não teremos economia suficiente para gerar a riqueza que esta crise destruiu e, dessa forma, o nosso país voltará a cair numa situação mais difícil do que aquela de que saímos recentemente.

Com este cenário pela frente, como nos posicionaremos? Que futuro podemos ambicionar? Que liderança política necessitamos? Que novo contrato social teremos que construir? Que novo paradigma económico devemos assumir? Que novas rotinas devemos criar? Que vida queremos viver?

As crises são sempre momentos de profunda mudança. Foi sempre assim e sempre assim será. Estamos, neste momento, no epicentro de uma das maiores crises que viveremos, nas nossas vidas. As próximas decisões que tomarmos definirão muito daquilo que será o nosso país e a nossa sociedade nas próximas décadas.

Conseguiremos sair disto tudo com um país parecido com o país que fomos nos últimos dois meses? Isso era muito bom!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.