Passo os meus dias rodeada de crianças. Em manhãs em que estou desanimada, elas entram pela sala e enchem-na de energia contagiante. Têm coisas para contar, sede de aprender, gargalhadas para partilhar, e um dia inteiro pela frente cheio de coisas para viver! Os meus alunos são os mais pequeninos da escola, falam várias línguas e têm diferentes nacionalidades. As suas famílias vêm um pouco de todo o mundo. Nas manhãs em que estou desanimada, no meu caminho para a sala, penso no acaso que é não terem nascido em Gaza.
Não há um resquício de humanidade dentro de mim que não esteja completamente despedaçado e em lágrimas, quando penso nas crianças palestinianas de todas as idades, que, no meio do horror, continuam a ser aquelas que trazem sorrisos e momentos de esperança, mas de cujos familiares se têm que despedir antes de tempo; ou quando penso na quantidade aterradora de crianças amputadas; ou nas outras tantas que estão órfãs ou separadas das suas famílias; e em todas as que estão a ser cruelmente, inumanamente, mortas à fome.
Não há palavras para descrever o pesadelo que está a acontecer em Gaza, onde não entra qualquer tipo de ajuda humanitária. Mas todos sabemos o que está a acontecer, todos sabemos a definição em que os crimes de guerra a serem perpetrados por Israel se enquadra, todos sabemos a ironia inimaginável que é um governo que representa um povo que sofreu o Holocausto estar a cometer um genocídio contra outro.
“Nunca mais”, foi a lição que o mundo tirou depois da Segunda Guerra Mundial. Nunca mais não é só para alguns. Os direitos humanos fundamentais quando nascem, são para todos.
Cresci com relativa paz no mundo, e onde existiam conflitos ou violações dos direitos humanos, a ONU lá estava, num papel mais ou menos performativo, a assegurar a ajuda humanitária.
No meu dia a dia com as crianças, preocupa-me que cresçam sem uma referência daquilo que é absolutamente inaceitável, que não entendam que existem consequências quando se ultrapassam os limites do respeito e da decência humana. Porque o mundo em que elas vivem é um mundo onde se desobedece e desrespeita a lei humanitária internacional, sem indignação nem ação conjunta por parte dos membros da ONU.
Olhando para o mundo à sua volta, com que compassos morais vão crescer?
Vivemos num país que faz parte da minoria dentro das Nações Unidas que continua sem reconhecer o Estado da Palestina. Enquanto cidadãos, podemos e devemos exigir isso mesmo, assinar esta petição é uma forma de o fazer: https://emcausa.org/peticao/palestina/ . Quando os nossos representantes políticos nos desiludem, mas principalmente quando, perante tamanha violência, vemos indiferença e inação, surgem coletivos e movimentos que nos trazem força!
Neste momento, 12 ativistas navegam para Gaza, numa embarcação cheia de bens alimentares e material médico. O último navio, o Conscience, que tentou quebrar o bloqueio naval de Israel, foi bombardeado. Desta vez, Greta Thunberg e os seus companheiros que estão abordo do Madleen, arriscam as suas vidas neste navio, e em troca pedem-nos para fazermos pressão junto da comunidade internacional e para acompanharmos a sua viagem de barco. Pôr os olhos no Madleen, está ao alcance de todos e é algo que podemos fazer por Gaza: https://freedomflotilla.org/ffc-tracker/ Para que um dia os que vierem depois de nós não nos perguntem porque aconteceu o que aconteceu em Gaza e o mundo nada fez.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.