Se os lugares falassem

Cuidar do futuro de Monsanto ou cuidar da recuperação de outras paisagens, sonhando novos lugares de reconhecido valor ecológico e cultural, será, sempre, uma questão de justiça intergeracional.

Se os lugares falassem, o que diria Monsanto?

Com quase 90 anos de idade, o Parque Florestal de Monsanto, pulmão verde de Lisboa, é um avô com muito para nos contar. Provavelmente, muitos de nós que passamos por Monsanto não temos noção da história que este guarda. Foram muitas as vidas que estiveram na origem do parque.

Num passado remoto, Monsanto terá sido um bosque, mas, ao longo dos tempos, veio a ser extensamente cultivado com cereais

Num passado remoto, Monsanto terá sido um bosque, mas, ao longo dos tempos, veio a ser extensamente cultivado com cereais (o que podemos imaginar ao observar os diversos moinhos que ponteiam os cumes). Por isso, no início do séc. XX a vegetação era escassa, à exceção de algumas oliveiras e dos núcleos arbóreos das quintas e da Tapada da Ajuda.

Se dermos um salto gigantesco para o séc. XXI, surpreende-nos a vida que acontece no parque e a imensa utilização dos percursos e equipamentos recuperados pela Câmara Municipal de Lisboa (CML): vemos as famílias, os desportistas e ciclistas que por lá passam, os eventos de educação ambiental no espaço Biodiversidade e a cultura que se promove no miradouro panorâmico de Monsanto.

Mas o que foi preciso para termos hoje este pulmão verde na cidade e que caminhos ainda há a percorrer?

Não espanta, por isso, que Monsanto seja hoje apontado enquanto referência para o desenvolvimento de novas matas urbanas, noutras cidades do país. Mas o que foi preciso para termos hoje este pulmão verde na cidade e que caminhos ainda há a percorrer?

Com uma área de cerca de 1045 h, o que corresponde a ⅛ da cidade de Lisboa, o Parque Florestal de Monsanto foi criado em 1934, por decisão de Duarte Pacheco e a sua instalação teve início em 1938, com projeto do arquiteto Keil do Amaral (não executado na totalidade) e plano de arborização do Engenheiro Joaquim Rodrigo.

A arborização inicial dos terrenos enfrentou dificuldades, a começar pelos solos gastos pelo cultivo dos cereais. O trabalho esteve nas mãos das mais diversas pessoas – trabalhadores rurais, soldados e até detidos – e sujeito às plantas disponíveis nos Viveiros Florestais, nem sempre as mais adequadas, como as acácias e os eucaliptos. Os pinhais, cupressáceas, e alguns povoamentos mistos com sobreiros e azinheiras, foram igualmente introduzidos por essa altura.

Com a paciência destes trabalhadores, que quase faz lembrar “o homem que plantava árvores” de Jean Giono, as árvores instalaram-se nos solos desgastados.

Com a paciência destes trabalhadores, que quase faz lembrar “o homem que plantava árvores” de Jean Giono, as árvores instalaram-se nos solos desgastados. Porém, nos anos 50, para contornar o desenvolvimento lento das novas árvores e cedendo à impaciência, que tantas vezes irrompe a existência humana e enviesa as boas intenções, privilegiou-se a introdução de árvores de crescimento rápido, como os eucaliptos.

Contudo, a discreta ação do tempo completou e veio a justificar o esforço de quem trabalhou nas primeiras plantações e a persistência dos que acompanharam o seu desenvolvimento. Pois as árvores instaladas reverteram a degradação do solo e alteraram o microclima, tornando possível a regeneração natural de espécies autóctones, como os adernos, zambujeiros e carvalhos, cujas sementes terão sido transportadas por aves que nesta nova mata encontraram casa.

Por isso, hoje é possível aproveitar a regeneração natural, através do desbaste das manchas densas de pinhais e de eucaliptais que ainda predominam no parque. A estratégia de gestão da Paisagem do Parque Florestal de Monsanto – «Monsanto 2030», promovida pela CML e desenvolvida pela equipa de arquitetos paisagistas do centro LEAF (do Instituto Superior de Agronomia), visa precisamente acelerar a renaturalização do parque.

Este plano conta com a vegetação existente e propõe que a intervenção seja progressiva, escalonada espacial e temporalmente, como referido no relatório que se encontra em consulta pública (até hoje, dia 3 de Maio). Outros aspetos, de índole cultural e que visam promover a imagibilidade e a utilização do parque – como a marcação das entradas ou a introdução de elementos referenciadores ao longo dos percursos – são igualmente considerados na estratégia Monsanto 2030.

Como referido no debate público da estratégia Monsanto 2030, onde também foi apresentada a exposição “Monsanto – 9 décadas do parque florestal”, esta estratégia é o nosso legado às futuras gerações, assim como foi o trabalho das antigas gerações que, com a sua persistência, plantaram as primeiras árvores em solos pouco prometedores.

Cuidar do futuro de Monsanto ou cuidar da recuperação de outras paisagens, sonhando novos lugares de reconhecido valor ecológico e cultural, será, sempre, uma questão de justiça intergeracional. Exigirá a nossa humildade e capacidade de aceitar que não seremos nós a ver os frutos, mas que estes poderão ser colhidos por outros.

De facto, cuidar do futuro de Monsanto ou cuidar da recuperação de outras paisagens, sonhando novos lugares de reconhecido valor ecológico e cultural, será, sempre, uma questão de justiça intergeracional. Exigirá a nossa paciência e esperança, confiando que o tempo fará o seu trabalho. Exigirá a nossa humildade e capacidade de aceitar que não seremos nós a ver os frutos, mas que estes poderão ser colhidos por outros.

Fotografia –  Pedro Santos – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.