Filhos exasperados, pais desesperados

Onde estamos, pais e filhos, e quais as nossas funções? É difícil educar numa época em que tudo é posto em causa; em que aquilo que era, pouco serve.

“Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não desanimem” (Cl 3, 20-21). É uma das minhas passagens preferidas das Escrituras: já devia ter um quadro pendurado à porta de casa com estas palavras impressas.

Esta passagem, assim como esta, mais ou menos parecida:

“Filhos, obedecei aos vossos pais, no Senhor, pois é isso que é justo: Honra teu pai e tua mãe – tal é o primeiro mandamento, com uma promessa: para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra.” Reparem como acaba em beleza e sabedoria divinal:

“E vós, pais, não exaspereis os vossos filhos, mas criai-os com a educação e correcção que vêm do Senhor.” (Efésios 6, 1-5)

Pois aqui, nestas breves frases, está todo um tratado sobre educação. Onde estamos, pais e filhos, e quais as nossas funções? É difícil educar numa época em que tudo é posto em causa; em que aquilo que era, pouco serve.

Hoje, os pais paralisam com medo de errar, o tempo é escasso porque só há tempo ao fim do dia. Grande parte dos filhos são educados à vez por pais separados e muitas vezes são utilizados como armas de arremesso em disputas judiciais que se eternizam. São poucos os que confiam nos seus instintos e preferem delegar a educação dos filhos nos outros: na escola, nos psicólogos, nos educadores, nos especialistas que existem em tudo e mais alguma coisa. Como se houvesse uma receita para tudo, porque desistiram deles próprios.

São poucos os que confiam nos seus instintos e preferem delegar a educação dos filhos nos outros: na escola, nos psicólogos, nos educadores, nos especialistas que existem em tudo e mais alguma coisa. Como se houvesse uma receita para tudo, porque desistiram deles próprios.

Procuram-se soluções rápidas para problemas que não se conhecem, e que se calhar nem sequer são problemas. São fases, é a vida a passar. Há cada vez mais pais sozinhos na educação, sem famílias que lhes contem as tradições e que adormeçam os fantasmas dos pais que não os deixam dormir tais são as angústias e as inseguranças.

No entanto, e este é o drama da educação dos dias de hoje, são os pais quem devem liderar e não são os pais que lideram. São os pais e não a escola, o Estado ou os influencers quem mandam nos filhos, em casa, nas famílias. É aqui que está a base da estrutura social e são eles o núcleo onde tudo começa.

É aos pais a quem os filhos devem obediência, respeito, a quem devem reconhecer autoridade, a quem vão seguir o exemplo. Sem eles, os filhos ficam sozinhos, sem norte, sem saber o que escolher, em quem ou no que acreditar, que caminho seguir. Demitirmo-nos desse papel de liderança, de decidir o que é melhor para eles em cada momento, de exercer autoridade, é como largar-lhes a mão enquanto eles ainda não sabem andar. É quase cobardia. É demitirmo-nos de os ajudar a conquistar a sua própria liberdade.

Ter uma família, liderar uma família, é um problema. Mais: é multiplicar problemas, acrescentar o espaço e o tempo dos outros ao nosso. Precisamos de nos suportar, precisamos de ter mais paciência, tolerância, de saber ouvir, de partilhar. Uma família cansa, pode ser um peso. E é por isso que só o conseguimos suportar com amor e caridade, sem arrogância e com alegria. Com alma a transbordar de alegria quando de repente, por obra de Deus, todos nos rimos à gargalhada à volta da mesa do jantar. Nessas altura percebemos que a família é um motor e não um peso.

Uma família cansa, pode ser um peso. E é por isso que só o conseguimos suportar com amor e caridade, sem arrogância e com alegria.

“Pais, não exaspereis os vossos filhos”. E é tão fácil. É tão fácil abusar do poder de pai e mãe. Puxar do galões e mandá-los fazer coisas que eles não conseguem, exigir-lhes resultados que para nós seriam impensáveis alcançar, traçar-lhes objetivos que são nossos e não deles. É tão fácil exigir sem dar o exemplo, fazer dos filhos refém dos problemas conjugais. Exasperá-los.

“Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não desanimem.” Poker face: é a expressão deles depois de uma discussão em que parece que nos querem matar mas não mexem um nervo da cara. Parece-me que não é a esta irritação a que se referem as Escrituras, mas sim ao desespero que advém da nossa incompetência em educá-los. Os pais são os adultos da casa e são os principais responsáveis pela alegria, os silêncios, as discussões e as tempestades que lá se vivem, por mais que nos custe assumir. E sim, o ânimo ou o desânimo acorda lá todas as manhãs.

“Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais”. Mas será que é isso que nós, pais, queremos? Não, não é: é ao contrário. É mais difícil mandar que obedecer, e nós, pais do século XXI, delegámos nos nossos filhos, no Estado, nas escolas e nos especialistas toda a autoridade. Quem obedece somos nós.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.