Educar – Uma necessidade

Educar faz parte da tradição missionária da Companhia de Jesus, a qual sempre a assumiu como uma tarefa apostólica, com um objetivo muito claro: educar o carácter dos alunos tendo como parâmetro de “medida” o bem comum.

Vem este título, Educar – uma necessidade, a propósito de uma referência que o Superior Geral da Companhia de Jesus, Arturo Sosa, fez do Padre Arrupe (1907-1991), seu antecessor, na sua comunicação, no 1.º Congresso Internacional de Delegados de Educação da Companhia de Jesus – JESEDU-Rio2017, em 20 de outubro de 2017 [1].

Reflitamos um pouco sobre as linhas programáticas da educação que o novo Geral começa a delinear para as instituições da Companhia de Jesus.

 

Educar: uma tarefa apostólica que tem como referência o bem comum

Educar faz parte da tradição missionária da Companhia de Jesus, a qual sempre assumiu como uma tarefa apostólica, com um objetivo muito claro: educar o carácter dos alunos tendo como parâmetro de “medida” o bem comum. E como não há educação sem coração, ou, dizendo de outro modo, como é no coração que se joga muito da vida do Aluno e, através dele, da vida do mundo, a Companhia fez da cura personalis, da relação de coração a coração, um modelo educativo que vai buscar a sua razão de ser aos Exercícios Espirituais.

Pedro Arrupe e Hans Peter-Kolvenbach (1928-2016) indicaram o fim da educação para a Companhia: formar homens e mulheres para e com os outros. Na tentativa de se concretizar a excelência (magis) no tipo de educação que a Companhia procura atingir, hoje em dia fala-se, com base numa intuição de Kolvenbach, nos 4 “C’s” em que um aluno deve ser educado segundo o modelo proposto pela Companhia de Jesus: consciente, competente, compassivo e comprometido. Arturo Sosa acrescenta um 5º “C”: coerente. Como se constata, não há educação sem duas faces de uma mesma moeda: virtus et litterae. Ficarmos numa delas é estarmos noutro tipo de ideia de pessoa, numa outra antropologia, mas não na inaciana. Tudo nesta, a partir de uma fé que se faz justiça, luta por um mundo melhor (bem comum), o que implica conversão pessoal, discernimento, deixarmos o conforto e o comodismo e irmos ao encontro, na luta pela procura de uma justiça assente na caridade e, por isso, na verdade, de uma reconciliação que, no diálogo, procura uma paz justa. Ser “ponte” num mundo ferido de injustiças, requer confiança e esperança num Deus que procura, através de nós, um mundo mais digno, num contexto onde o homem assuma a sua divinização na sua relação com os outros e com toda a criação.

 

Apostolado intelectual: uma estratégia inaciana atual geradora de consensos

Tudo isto exige que se prepare, através da educação, pessoas a saberem situar-se num mundo em constante, e, tantas vezes, acriticamente transformação, a pararem, procurando, no silêncio, a elaboração de um pensamento que gere consensos e agregue forças na construção de um mundo onde o ser humano, na linha da tradição humanista tão cara à espiritualidade e pedagogia inacianas, seja o ator e o destinatário. É neste sentido que o Geral fala de apostolado intelectual: os nossos educadores têm de preparar os nossos alunos para pensarem bem, isto é, pensarem para ajudar a transformar e configurarem um mundo que seja sempre mais compassivo e, por isso, mais divino, não se deixando, eles próprios, condicionar por “modismos” de “fazedores de opinião” que nada têm nem de humanista, nem de cristão. Enquanto houver exploração do homem pelo homem, enquanto o homem for objeto e não sujeito, enquanto houver fome, miséria, terrorismo, enquanto se matar em nome de Deus, o mundo precisa de quem pense bem, isto é, de quem pense com e para os outros!

E assim se pode entrar na problemática atual da urgência de que cada ser humano ou cada povo seja capaz de se sentir parte da humanidade, tornando-se consciente da sua própria cultura (inculturação) sem a absolutizar, reconhecendo a existência de outros seres humanos possuidores de outras culturas (multiculturalidade), estabelecendo relações semelhantes com eles, enriquecendo-se com a variedade de culturas, entre as quais se encontra a sua própria cultura (interculturalidade). A «universalidade vivida deste modo pode converter-se num impulso para a justiça social, a fraternidade e a paz» diz Arturo Sosa. A interculturalidade contribui para a humanização das pessoas, das culturas e dos povos e constrói pontes e comunicação fluída entre culturas que reconhece, aceita e aprecia, já que acolhe as diferenças culturais como revelação do rosto da humanidade criada à imagem e semelhança de Deus e enriquece-se do intercâmbio cada vez mais profundo entre elas.

 

Educar para servir: a máxima educativa seguida pela Companhia de Jesus no trabalho educativo

E é por tudo isto que, na educação, a renovação surge como uma tarefa permanente do trabalho educativo. Criar um modelo educativo para “este” mundo atual em que vivemos é uma tarefa que é exigida à Companhia de Jesus, que assume, como marca diferenciadora do seu modo de ser e estar na educação, a missão de preparar homens e mulheres ao serviço da reconciliação e da justiça como caminho para a paz. Mais: incutir nos seus alunos que o que dá sentido à sua vida, o que os torna e faz felizes, é uma lógica do serviço na procura e luta pelo bem comum!

Arturo Sosa, neste contexto, deixa alguns desafios aos educadores e instituições educativas da Companhia de Jesus:

  1. aposta na investigação pedagógica e na inovação didática como caminho para novos métodos e modelos formativos;
  2. na educação para a justiça;
  3. na formação na linha da dimensão ecológica da reconciliação;
  4. no desenvolvimento de uma cultura que proteja os menores e os vulneráveis;
  5. na formação religiosa que abre à dimensão transcendental;
  6. na educação para a cidadania global que não nos deixe perder a nossa identidade cristã e inaciana.

Estes desafios, que são exigentes, tornam-se mais factíveis se discernidos e vividos através da colaboração e trabalho em rede. Este abre-nos a uma cultura da generosidade na cooperação com outros na procura de soluções para problemas que são comuns. Este trabalho em rede permitir-nos-á universalizar uma ideia de pessoa para o futuro que possamos construir através da educação: homens e mulheres justos, verdadeiros cidadãos do mundo, capazes de gerar diálogo e reconciliação entre os povos e destes com a criação.

Terminando com uma frase de Ribadeneira tomada pelo Geral: «todo o bem do cristianismo e do mundo depende da boa educação da juventude». E as nossas instituições educativas devem assumir isto como uma missão!

[1] Arturo Sosa Abascal S.J. La educación de la Compañía: una pedagogía al servicio de la formación de un ser humano reconciliado con sus semejantes, con la creación y con Dios. CONGRESO INTERNACIONAL DE DELEGADOS DE EDUCACIÓN DE LA COMPAÑIA DE JESÚS. JESEDU-Rio2017. Río de Janeiro, Brasil, 20 de octubre de 2017.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.