Atualidade e pertinência da Pedagogia Inaciana

“Mesmo aqueles que não partilham da fé, podem recolher valiosas experiências (…) porque a pedagogia inspirada por Santo Inácio é profundamente humana e consequentemente universal.” (Pedagogia Inaciana, §6)

Muito antes dos estudos de Piaget, Ausubel e Vygotsky, entre outros, já a pedagogia inaciana praticava uma conceção educativa próxima do construtivismo, ao colocar a primazia do aluno no centro da relação ensino-aprendizagem.

As linhas de força desta teoria estão em consonância com a pedagogia inaciana em termos de construção do conhecimento, próprias de uma escola onde o professor desempenha preponderantemente o papel de orientador do estudo e de facilitador de aprendizagens. A sala de aula é entendida como um espaço ativo de trabalho, em ambiente colaborativo, onde todos aprendem de todos através da troca de experiências motivada pela curiosidade de saber e de aprender.

O aluno torna-se mais responsável pela sua própria aprendizagem e pelo seu crescimento pessoal, a par da aquisição de novos saberes, valores, critérios e atitudes, que apoiarão a consolidação da sua identidade única e irrepetível. Estuda pelo prazer de aprender, de crescer, saboreando interiormente as diferentes matérias na busca de novos conhecimentos que o ajudarão a compreender e a explicar melhor o mundo circundante em que habita.

Ora em todo o processo de ensino-aprendizagem, a pedagogia inaciana reafirma o primado da pessoa que aprende, incentiva-a a tomar parte plenamente ativa, abandonando a antiga conceção do aluno como recetor passivo que absorve e memoriza silenciosamente os conhecimentos debitados pelo professor. A pedagogia inaciana propõe a adaptação do programa ou currículo às necessidades e capacidades de cada aluno, diferenciando pedagogicamente as estratégias e os recursos a adotar para que possa, efetivamente, tirar proveito para si e para a sua vida.

O educando é sempre alguém que é acolhido na escola, seja Colégio ou Universidade da Companhia de Jesus, como pessoa em crescimento, que quer aprender e transformar-se, tornar-se mais livre, mais responsável e mais autónomo. Por isso, todos os esforços são convenientemente direcionados para o ajudar a ser bom aluno, capaz de aprender por si e de relacionar interdisciplinarmente as matérias; mas também a ser bom cidadão – desenvolvendo o espírito crítico, assumindo os seus direitos e os seus deveres – a ser bom marido/esposa, bom pai/mãe de família …

Estes seriam, então, e continuam a ser, os objetivos últimos de toda e qualquer instituição educativa da Companhia de Jesus: ajudar o educando a ultrapassar a sua situação de vulnerabilidade enquanto pessoa em crescimento, para poder alcançar a maturidade humana e desenvolver-se perfetivamente; ajudá-lo a superar por si mesmo as suas limitações presentes para que não sucumba face a elas e não o destruam como pessoa. Gerir, dominar esta debilidade através de duas ferramentas fundamentais: o conhecimento e a transmissão de valores humanos que despertem e fomentem atitudes altruístas de sensibilidade e abertura aos outros.

A finalidade da educação numa instituição da Companhia de Jesus não consiste somente em que o destinatário tenha mais conhecimentos ou saberes, mas que seja mais pessoa, que cresça e se transforme naquilo que pode vir a ser, superadas as debilidades. E por conseguinte, o bom educador, eticamente falando, é aquele que pensa no bem dos seus alunos e coloca à disposição deles os seus conhecimentos, as suas palavras amigas, os seus gestos e o seu testemunho como mestre de referência. O bem integral do educando é e será sempre o objetivo prioritário de todo o labor educativo da Companhia de Jesus: potenciar a excelência académica a par da excelência humana.

Por fim, qualquer consideração sobre o ato de educar deve ter em conta não só o destinatário dessa ação, o aluno, mas também o lugar onde se desenrola. Esta nobre missão só é possível se o ambiente onde ocorre – a comunidade educativa – se transformar num verdadeiro lugar de acolhimento, de comunicação e de diálogo. Podemos instruir e comunicar conteúdos num espaço anónimo, mas formar e educar pessoas requer uma circunstância adequada, uma atmosfera relacional de reconhecimento, confiança e respeito mútuos.

Foi para dar corpo a este conjunto de desideratos que a Companhia de Jesus publicou Características da Educação da Companhia de Jesus (1986) e Pedagogia Inaciana – Uma Abordagem Prática (1993). Estes dois documentos pretendem atualizar o vocabulário e a linguagem, clarificar as marcas distintivas da educação jesuíta e proporcionar uma visão da pedagogia inaciana mais adequada aos tempos modernos, relacionando-a, inclusivamente, com algumas das teorias educativas emergentes e mostrando a sua atualidade e pertinência.

Daí o renovado interesse que a Pedagogia Inaciana tem suscitado nas últimas décadas. Após a publicação dos documentos acima referidos, deu-se início em Portugal e em toda a Companhia de Jesus a um vasto programa de formação de educadores (docentes e não docentes) do ensino básico e secundário, com o intuito de partilhar, atualizar e aprofundar a herança pedagógica de Santo Inácio de Loiola e contribuir, simultaneamente, para preservar a identidade e o caráter distintivo das instituições educativas da Companhia. A formação tem contemplado, indubitavelmente, o estudo e análise dos dois documentos mais recentes e a consideração atenta das implicações pedagógicas que preconizam e inspiram.

Apesar dos diferentes contextos em que se inserem, os três colégios da Companhia de Jesus, em Portugal, tentam, num único e mesmo esforço, encarnar esta pedagogia que – acreditamos – continua a educar pessoas capazes de intervir civicamente, capazes de transformar a cultura e a sociedade, tornando-as mais justas, mais fraternas e mais humanizantes.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.