A alegria da espera

A espera faz parte integrante do que vivenciamos e, quando bem vivida e rezada, é lugar de maturação. Quem não souber esperar depois de lançar as sementes à terra, jamais as verá florir.

Passamos grande parte da vida à espera. À espera de que chegue alguém com quem combinámos um encontro, à espera de que chegue o fim de semana para descansar em família, à espera de que chegue a hora de regresso a casa, no final de um dia de trabalho. A própria vida está repleta de situações em que a espera se impõe, de um modo incontornável: esperamos para saber o resultado de um exame médico, esperamos numa fila interminável para comprar os bilhetes para aquele concerto a que queremos assistir, esperamos pela divulgação dos resultados de uma candidatura a um curso ou a um emprego.

Porém, a nossa cultura ocidental já há muito eliminou o valor da espera. Procuramos, e até exigimos, a prontidão da resposta. Buscamos a celeridade em todo e qualquer processo. Colocamos todo o nosso coração nos desfechos, nas realizações, no destino. Gostamos do pronto a vestir, das autoestradas, do serviço prime nas entregas de encomendas. Fascinam-nos os comboios de alta velocidade, a internet mais veloz, os carregamentos rápidos de carros elétricos.

Porém, a nossa cultura ocidental já há muito eliminou o valor da espera. Procuramos, e até exigimos, a prontidão da resposta.

Os prazos sôfregos, que a correria do dia a dia nos despeja em cima, em modo quase contínuo, levam-nos a pensar que a espera é uma perda de tempo, uma pedra na engrenagem. Ora, muitas vezes, é o contrário. A espera faz parte integrante do que vivenciamos e, quando bem vivida e rezada, é lugar de maturação. Quem não souber esperar depois de lançar as sementes à terra, jamais as verá florir. Quem exigir que os seus desejos sejam sempre satisfeitos de imediato, dificilmente saberá o que é um grande desejo.

Tal é o esvaziamento do valor da espera na nossa sociedade que – atrevo-me a dizer – (quase) todos já nos sentimos desconcertados porque o telemóvel ficou sem bateria num momento em que não tínhamos outra alternativa que esperar. Parece que a resposta natural à espera é a alienação.

Tal é o esvaziamento do valor da espera na nossa sociedade que – atrevo-me a dizer – (quase) todos já nos sentimos desconcertados porque o telemóvel ficou sem bateria num momento em que não tínhamos outra alternativa que esperar. Parece que a resposta natural à espera é a alienação.

Mas é claro que há esperas que são especialmente gozosas, porque nelas vivemos com antecipação algo que desejamos. Desta forma, o que é bom, já o é antes de ser. Os nove meses de espera do nascimento de um bebé, o tempo que falta para o encontro com um grande amigo, a viagem programada que está quase, quase para se concretizar. Antoine de Saint-Exupéry descreveu estas esperas de uma forma preciosa, nas palavras da raposa: «Se chegares, por exemplo, às quatro horas da tarde, começarei a ficar contente logo a partir das três. Quanto mais os minutos passarem, mais feliz ficarei.»

Antoine de Saint-Exupéry descreveu estas esperas de uma forma preciosa, nas palavras da raposa: «Se chegares, por exemplo, às quatro horas da tarde, começarei a ficar contente logo a partir das três. Quanto mais os minutos passarem, mais feliz ficarei.»

Não sei se a idade adulta nos condiciona o entusiasmo e a capacidade de esperar assim, deste jeito gozoso, pois é mais frequente reconhecer essa postura numa criança, que ansiosamente aguarda por pequenos acontecimentos como uma ida ao parque infantil, ou umas horas passadas na casa de um amigo. Creio que se recordarmos que tudo é dom, e olharmos para cada um desses simples momentos sob esse prisma, recuperaremos o encanto da espera pelas pequenas coisas, que agora julgamos mais próprio da infância.

Certo é que nem todas as esperas podem ser vividas como nos fala a raposa. Há, de facto, esperas que vêm carregadas de angústia e que facilmente nos podem arrasar e destruir. A espera do nascimento de um bebé que terá pouco tempo de vida. A espera de resultados clínicos, na evidência de uma recidiva oncológica. A espera pela chegada de mais um dia sem recaída no vício.

Do que me foi dado viver em família, após o diagnóstico de cancro dos pulmões no Constantino, meu marido, senti ser especialmente duro o tempo de espera por novos tratamentos e por resultados de exames. Nos primeiros meses, se a médica nos dizia, no consultório, que nos telefonaria assim que soubesse o resultado de um exame, para definir o que se seguiria em termos de tratamentos, todos os sons produzidos pelo telemóvel, nos dias seguintes, provocavam-me uma ânsia e uma angústia profundas. Afinal, qualquer chamada poderia ser aquela que não queríamos perder mas, ao mesmo tempo, preferiríamos adiar. As longas esperas nas salas do hospital e os momentos de silêncio enquanto a médica interpretava os novos resultados que chegavam através do sistema informático conseguiam ampliar de um modo irracional e avassalador a dureza da espera.

Nesses momentos, todo o meu ser parecia gritar, tal como os discípulos de Jesus, no barco açoitado pelas ondas, «Mestre, não te importas que pereçamos?» (Mc 4, 39a). E aí ficava eu, nesse versículo de uma passagem bíblica que, afinal, iria trazer a chave de leitura para os meses seguintes (e para toda a vida): “Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: «Cala-te, acalma-te!» O vento serenou e fez-se grande calma. Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?»” (Mc 4, 39b-40).

E aí ficava eu, nesse versículo de uma passagem bíblica que, afinal, iria trazer a chave de leitura para os meses seguintes (e para toda a vida): “Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: «Cala-te, acalma-te!» O vento serenou e fez-se grande calma. Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?»” (Mc 4, 39b-40).

Acredito, pois, que a fé restaura qualquer espera. Numa confiança e abandono totais em Deus, nosso Pai, é possível viver toda a espera tal como nos desafia S. Paulo, na sua carta aos Romanos: “Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração.” (Rm 12, 12). Luciano Manicardi, no seu livro Fragilidade, fala-nos do poder resgatador da fé, que nos permite recobrar força a partir das nossas fragilidades, fazendo com que consigamos lidar com o sofrimento sem nos deixarmos por ele esmagar. Na verdade, creio que é possível viver em alegria, mesmo que atravessados pela dor.

Façamos, pois, de todas as nossas esperas, tempo para ser e para florir. Façamos de cada espera uma esperança, que aceita a prova de fogo da desesperança. Porque confiamos.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.