“O bem dos outros era o motor da sua vida”

O Zé Maria, como todos o conheciam, partiu para a casa do Pai no dia 22 de abril, ao final da tarde, em Évora, depois de ter sofrido uma hemorragia cerebral. Nas celebrações, foi sublinhada a sua bondade e entrega à missão.

O Zé Maria, como todos o conheciam, partiu para a casa do Pai no dia 22 de abril, ao final da tarde, em Évora, depois de ter sofrido uma hemorragia cerebral. Nas celebrações, foi sublinhada a sua bondade e entrega à missão.

O Zé Maria era um homem bom e morreu feliz. Foi este o traço comum sublinhado em todas as celebrações fúnebres que decorreram nos últimos dias em Lisboa, no Porto e em Évora, com as quais nos despedimos do P. José Maria Brito. Um testemunho deixado pelos irmãos jesuítas que com ele viveram mais de perto, e corroborado por muitas centenas de pessoas com quem ele se foi cruzando ao longo da sua vida. O Zé Maria, como todos o conheciam, partiu para a casa do Pai no dia 22 de abril, ao final da tarde, no Hospital do Espírito Santo, em Évora, depois de ter sofrido na véspera uma hemorragia cerebral.

O Zé Maria tinha 48 anos de idade, 25 de jesuíta, e estava há um ano e meio a viver na comunidade dos jesuítas em Évora, onde colaborava com a pastoral universitária, com a pastoral da família e com a Comunidade de Vida Cristã. Era também presidente da direção da Fundação Gonçalo da Silveira. Fundador do Ponto SJ, em 2018, dirigiu o portal dos jesuítas e o Gabinete de Comunicação durante seis anos, deixando uma marca profunda na comunicação da Igreja.

Foi no Domingo do Bom Pastor, depois de um fim de semana festivo e agitado devido à celebração dos últimos votos do jesuíta Fernando Ribeiro, que aconteceu em Évora, que o Zé Maria se sentiu mal em casa. Imediatamente socorrido, foi internado no hospital do Espírito Santo, em Évora, com um prognóstico muito reservado, que viria depois a confirmar-se numa situação irreversível. Nessa mesma noite, recebeu os últimos sacramentos administrados pelos seus companheiros mais próximos, o P. Miguel Gonçalves Ferreira e o P. Alberto Sousa. Partiu poucas horas depois, na presença dos seus familiares mais próximos, no dia em que os jesuítas celebram Nossa Senhora Mãe da Companhia de Jesus.

«Foste um bom filho, um bom irmão e um bom jesuíta». Estas foram as últimas palavras que o Zé Maria, já inconsciente, terá escutado na terra, como partilhou na missa das exéquias o seu companheiro Miguel Gonçalves Ferreira, que, falando em nome de todos, também lhe transmitiu o quanto era querido por tantos. Na missa que decorreu na Igreja do Espírito Santo, em Évora, no dia seguinte à morte, o P. Provincial lembrou também a alegria com que o Zé Maria vivia a sua missão em terras alentejanas. “Foi muito feliz em Évora”, afirmou, sublinhando que os testemunhos que foi ouvindo das pessoas com quem lidava faziam parecer que estava nesta zona do país há 20 anos. “Estava verdadeiramente feliz nesta fase da sua vida.”

Numa celebração que contou com muitos amigos vindos das várias zonas por onde passou, em especial da comunidade inaciana eborense, bem como com a presença de muitos padres e diáconos da arquidiocese – além do próprio arcebispo D. Francisco Senra Coelho, do arcebispo emérito D. José Alves, e do cardeal D. Américo Aguiar que se deslocou a Évora para prestar a sua homenagem – o Provincial dos Jesuítas sublinhou ainda outra certeza geradora de enorme consolação: “O Zé Maria já está no céu”. E essa certeza, explicou, decorre da forma como viveu a sua missão, com intensidade, entrega e sempre com toda a disponibilidade do mundo, mesmo quando não a tinha. “O bem era o motor da vida dele, especialmente o bem dos outros.” Tal como na leitura escolhida para a celebração do velório, o rapazinho entregou cinco pães e dois peixes, permitindo, assim, que Jesus operasse o milagre da multiplicação, também o Zé Maria, disse o P. Miguel Almeida, soube oferecer os seus dons e saciar muitas multidões. Dons que terá aprendido a partilhar em casa, com a família e através da educação cristã que recebeu, juntamente com o irmão Luís, da mãe, bem como do pai e do irmão Gonçalo, já falecidos.

Outras características especiais do Zé Maria foram sublinhadas na emotiva homilia do P. Miguel Almeida nesse dia seguinte à sua partida: a honestidade e transparência de vida, a visão crítica e lúcida sobre a realidade do mundo e da Igreja, e a enorme bondade. Tal como o Bom Pastor, conhecia as suas ovelhas e sabia escutá-las profundamente, fazendo dos problemas dos outros também os seus. O que lhe causava mais sofrimento eram as injustiças e a mentira, lembrou ainda o P. Miguel, sublinhando que também entre os companheiros jesuítas foi “um ponto de unidade”.

Já no final da celebração em Évora, o P. Miguel Gonçalves Ferreira dirigiu uma palavra especial a dois grupos particularmente tocados pela missão do Zé Maria: os campos de férias e os jornalistas. “Caros jornalistas, não sei se terão outro amigo como o Zé Maria”, afirmou, acrescentando que o seu trabalho junto da comunicação social foi feito com “gosto, empenho, criatividade e zelo apostólico”.

Também noutras zonas do país, quando ainda a morte do Zé Maria era uma notícia recente, as igrejas se enchiam para dar graças pela sua vida. Foi assim na Igreja do Colégio São João de Brito, em Lisboa, na Igreja de Cedofeita, no Porto, na igreja do Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso, nas quais centenas de pessoas, ainda incrédulas, partilhavam a dor da sua partida.

No dia das exéquias, celebradas na sua terra natal, no Porto, a última homenagem foi prestada por muitas centenas de familiares, amigos de várias proveniências – da sua paróquia de origem, da política, do CREU e pelos colégios – e por muitos irmãos jesuítas, profundamente abalados com a sua partida repentina. Na homilia, o P. Miguel Gonçalves Ferreira falou do céu, citando umas quadras populares* que falam de um lugar para o qual fomos todos criados – mas que exige a nossa escolha – e onde não há noite nem sombra. O Zé Maria, durante a sua vida, também teve dias de sombra, lembrou o companheiro jesuíta, mas teve o dom de não deixar que isso o transformasse numa pessoa ressentida. “Era um homem de profunda oração e por ter aberto o coração à graça de Deus foi permitindo que essa sombra se transformasse em empatia e compreensão da sombra dos outros”, afirmou, lembrando que essa foi sanadora para muitos.

Pegando na carteira do Zé Maria e de lá retirando um cartão, o P. Miguel Gonçalves Ferreira contou ainda um detalhe curioso, mas carregado de significado. O Zé Maria tornara-se recentemente sócio da Sociedade Harmonia Eborense, uma organização de âmbito cultural da cidade, criada no século XIX. Deixa-nos, com isso, um recado a todos: “precisamos de nos converter à harmonia – em latim concordia – que é a união de corações.”

Outros testemunhos lidos no fim da missa sublinharam a generosidade do Zé Maria, a sua disponibilidade para a escuta e proximidade de tantos.

No final da celebração, os jesuítas entoando “Ad Maiorem Dei Gloriam“, formaram um corredor humano até à estrada, e alguns dos seus companheiros mais próximos carregaram a urna que seguiu para o Cemitério do Prado do Repouso.

Fotografias: Ricardo Perna (e P. Samuel Beirão)

 

Muito lindo é o Céu,
Todo cheio de alegria.
Lá não há noite nem sombra,
Tudo é claro dia

Muito lindo é o Céu,
P’ra onde Deus nos criou.
Sem primeiro padecer
Nunca ninguém o gozou.

Quem quiser ir para o Céu,
Não diga que não tem tempo,
Basta andar no seu trabalho,
Com Jesus no pensamento.

(cancioneiro popular de Manhouce)

 

Abrimos também uma página especial com vários informações sobre o P. José Maria Brito, sj

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.