João Rendeiro, José Sócrates ou Manuel Pinho. Seriam estes os nomes óbvios a vir à tona numa retrospetiva sobre justiça do ano que está a terminar. Mas ao revisitar 2021 não é deles que queremos falar, pois não foram estes assuntos que marcaram as linhas do Ponto SJ. Na seção de justiça não debatemos a justiça judicial ou judiciária. Falamos de outra justiça. Aquela que o Catecismo nos aponta como “a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido” (1807). Por isso, o catecismo fala também de “respeitar os direitos de cada um”, e de “equidade em relação às pessoas e ao bem comum”.
Na abordagem a esta justiça que é social e humana, os cronistas que escrevem habitualmente à segunda-feira no nosso portal debruçaram-se sobre dois grandes temas: alterações climáticas e desigualdades. Sobre as questões ambientais quase todos escreveram, abordando-as de perspetivas e pontos de vista distintos, mas sempre assentes no conceito de ecologia integral e nesta profunda ligação entre o cuidado da Casa Comum e o cuidado daqueles que a habitam.
Revisitemos os artigos mais impactantes. Margarida Pessoa Vaz lança uma pergunta fulcral: Cuidar do ambiente é uma questão moral? Luísa Schmidt, por seu lado, fala das novas urgências e da exigência que as alterações climáticas nos trazem. Um texto escrito em agosto, ainda longe do grande acontecimento do ano que se iria realizar em novembro, em Glasgow (Cimeira do Clima), mas que associava a reflexão teórica e científica à realidade empírica que se verificava no momento: fenómenos climáticos extremos a ocorrer por todo o mundo. Ainda sobre este tema, o P. Luís Maria da Providência, sj pega na encíclica Laudato Si para lembrar que a perspetiva da ecologia integral que o Papa aí aborda assenta num “diálogo entre vários interlocutores: da política à economia, das grandes religiões às ciências”. Cláudia Pedra aborda a crise dos refugiados climáticos, referindo-se a um movimento de massas (cujas estimativas apontam para a deslocação de 200 a mil milhões de pessoas em 2050) mas sobre o qual ninguém fala ou para o qual parece não haver qualquer estratégia de combate. Ainda com esta tónica da relação entre Criação e Criatura, destaca-se a análise de Pedro Góis à situação dos imigrantes em Odemira, quando à exploração de recursos naturais se associa também a exploração humana.
O tema das desigualdades foi também bastante expressivo nos artigos da secção de justiça, abarcando várias situações de descriminação e injustiça, muitas delas denunciadas exaustivamente pelo Papa Francisco.
O tema das desigualdades foi também bastante expressivo nos artigos da secção de justiça, abarcando várias situações de descriminação e injustiça, muitas delas denunciadas exaustivamente pelo Papa Francisco. Ana Tojal expõe um mundo em mudança, marcado pelas crises ambientais, os refugiados e os extremismos religiosos, geradores de milhares de pobres e excluídos. E defende que para os graves problemas sociais que hoje afetam tantas pessoas não precisamos de esquemas abstratos mas de “um olhar atento e compassivo que permita o desenvolvimento de ações a partir de realidades concretas”. Mas há outras formas de desigualdade e discriminação que também foram denunciadas no Ponto SJ: Cláudia Pedra fala de racismo, Pedro Góis de desigualdades concretas, como por exemplo no acesso às vacinas disponíveis contra a covid-19; Rita Brito e Faro aborda o drama dos refugiados, acreditando que se a empatia tem o poder de revolucionar as relações pessoais, a empatia coletiva é “o recurso mais valioso que a humanidade tem”. Manuel Adelino fala ainda de outra arma poderosa no combate às desigualdades e à injustiça social: as instituições do terceiro setor.
Num ano marcado pela discussão e aprovação da lei da eutanásia – que acabou por ser vetada no final de novembro pelo Presidente da República – este foi também um tema que passou pelo debate no Ponto SJ. O P. António Ary, sj escreveu em fevereiro sobre o processo legislativo desta lei, analisando o primeiro texto que foi aprovado pela Assembleia da República e dando o mote para o que vinha a seguir: “qualquer que seja o desfecho do processo legislativo, a defesa da vida e a promoção de uma cultura do cuidado continuam a ser um desafio e uma tarefa para quantos acreditam na dignidade e na liberdade vividas na solidariedade”. Edna Gonçalves, especialista em cuidados paliativos, aborda outro tema essencial quando se reflete sobre a dignidade e o fim da vida, o testamento vital, lembrando “que é um direito que nos assiste e pode contribuir para que vivamos com dignidade o tempo de vida que nos resta quando ficamos incapazes de nos expressar diretamente, sem prolongar sofrimentos desnecessários, nem passar a terceiros a decisão sobre os cuidados de saúde que desejamos ou não receber”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.