Que Brasil a partir de janeiro?

Jornalista brasileiro perspectiva o que se pode esperar do Brasil. Acredita que as hipóteses de um Bolsonaro autoritário no governo existem mas são minoritárias, pois ele liderou uma coligação alargada e precisará deles para governar.

Jornalista brasileiro perspectiva o que se pode esperar do Brasil. Acredita que as hipóteses de um Bolsonaro autoritário no governo existem mas são minoritárias, pois ele liderou uma coligação alargada e precisará deles para governar.

Existem 594 parlamentares no Congresso brasileiro. Apenas um deles já defendeu o fechamento do próprio Congresso. É Jair Bolsonaro, que no último domingo foi eleito presidente da República com pouco mais de 55% dos votos válidos contra cerca de 45% de Fernando Haddad no segundo turno.

Uma leitura da trajetória política de Bolsonaro mostra que há razões para temer: Bolsonaro, um defensor da ditadura militar que governou o Brasil por 21 anos, já fez declarações tenebrosas sobre a tortura e a censura.

Agora, entretanto, tem apresentado visões mais moderadas e promete ser “escravo da Constituição”. O que será do Brasil a partir de janeiro, quando o novo presidente tomar posse?

Um voto é uma aposta. Nenhum eleitor sabe com 100% de precisão o que ocorrerá quando o eleito tomar posse do cargo para o qual foi escolhido. Há sempre riscos envolvidos, e no caso de Bolsonaro certamente os riscos são maiores do que oferecem os candidatos centristas (Haddad não é um deles, que fique claro, mas este é tema para outro artigo).

Em tese, é possível, por exemplo, que Bolsonaro se converta genuinamente em um comunista até ao dia da posse. É possível também que ele tente adotar medidas radicais mas seja impedido pelas instituições,

Dito isso, acredito que, na gestão Bolsonaro, as chances de um governo bom são maiores do que as de um governo ruim, e as chances de um governo mediano são maiores do que as de um governo bom.

A parte importante é: com base em todas as informações disponíveis, as chances de um Bolsonaro autoritário no governo existem, mas são minoritárias. Ele acabou por se transformar no líder de uma coligação alargada que inclui juristas, empresários e políticos experientes de diversos partidos. Precisará deles para governar. Também tem demonstrado alguma capacidade de aprendizagem, embora lenta.

Os investidores, que não gostam de perder dinheiro, também têm confiado em seu projeto para a economia, elaborado por Paulo Guedes, doutor em Economia pela Universidade de Chicago. Quando Bolsonaro crescia nas pesquisas, a Bolsa de Valores ia junto. A aposta é de que ele conseguirá sanear o governo.

O Brasil começa uma jornada que pode ser tortuosa, mas não há no horizonte qualquer sinal plausível de ruptura institucional. É primordial permanecer vigilante.

Um bom governo de Bolsonaro colocaria fim ao balcão de negócios tradicionalmente instalado no Executivo. Ele promete que não vai distribuir cargos em troca de apoio político; anuncia que vai bater de frente com o problema da segurança pública, que por definição é o mais grave porque tira vidas e o cidadão sem vida não pode ter liberdade, educação, dignidade, nada. Pretende também aplicar os recursos públicos com parcimônia.

O mau governo Bolsonaro teria ataques agressivos à imprensa e aos adversários. O presidente eleito tem criticado diretamente o jornal Folha de S. Paulo, que publicou reportagens críticas à sua campanha. Jornal mais conceituado do Brasil, a Folha – como todos os outros grandes veículos de imprensa – recebe anúncios de empresas estatais. Bolsonaro disse que pretende remover essas verbas da Folha, e apenas da Folha, por suas “reportagens mentirosas”. É um despautério por diversos motivos. Mas, na trise escala de comparação do Brasil, não é nada de novo – expediente parecido foi usado pelos governos do Partido dos Trabalhadores.

O Bolsonaro mediano não daria golpe, mas também não conseguiria convencer o Congresso a aprovar suas principais propostas. Faria apenas o básico.

O Brasil começa uma jornada que pode ser tortuosa, mas não há no horizonte qualquer sinal plausível de ruptura institucional. É primordial permanecer vigilante. E torcer por quatro anos de avanços.

 

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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.