O que aconteceu, Brasil?

Recusando explicações simplistas, e reconhecendo a complexidade da situação, o jornalista Gabriel Castro faz uma análise do que aconteceu no Brasil no domingo. E aponta cinco fatores que ajudam a explicar o fenómeno Bolsonaro.

Recusando explicações simplistas, e reconhecendo a complexidade da situação, o jornalista Gabriel Castro faz uma análise do que aconteceu no Brasil no domingo. E aponta cinco fatores que ajudam a explicar o fenómeno Bolsonaro.

Esperava-se uma vitória de candidatos de direita nas eleições gerais do Brasil, ocorridas no último domingo. Mas não desse tamanho.

O PSL, partido que elegeu apenas um deputado em 2014, agora terá 52 – a segunda maior bancada da Câmara. Elegeu também quatro senadores, inclusive o mais votado no estado de São Paulo, o principal do país.

Jair Bolsonaro, tido por conservador por alguns, autoritário por outros, teve mais de 46% dos votos válidos na disputa pela Presidência. As pesquisas da véspera apontavam 41%, o que já era um número espantosamente alto para quem teve uma campanha quase amadora e passou o último mês no hospital depois de levar uma facada. Poucos meses atrás, analistas diziam que ele teria dificuldade em conquistar 20% dos votos e passar ao segundo turno. Por pouco, Bolsonaro não levou a eleição já no primeiro turno.

Nos estados, um espanto semelhante: candidatos do PSL ou alinhados ideologicamente surpreenderam e derrotaram figuras muito mais conhecidas. A ex-presidente Dilma Rousseff ficou em quarto lugar na disputa por uma das duas vagas para o Senado em Minas Gerais. No Rio de Janeiro, um ex-juiz, filiado a um partido cristão, é o favorito para conquistar o cargo de governador no segundo turno.

Janaína Paschoal, advogada autora do pedido de impeachment que derrubou Dilma em 2016, teve mais de 2 milhões de votos na eleição para a assembleia estadual de São Paulo, e tornou-se a deputada mais votada do Brasil (em termos absolutos) em todos os tempos. Na eleição para a Câmara Federal, o mais votado foi Eduardo Bolsonaro. Sim, filho de Jair Bolsonaro. E, no Rio, outro filho de Jair, Flávio Bolsonaro, foi eleito senador. Janaína, Eduardo e Flávio são do PSL.

Foi uma guinada à direita. E por quê? Qualquer explicação simplista passará ao largo da verdade. Os cinco fatores abaixo, creio, são responsáveis pela maior parte dessa surpresa eleitoral.

1)    A Operação Lava Jato – O PT, partido de Lula e Dilma, comandou um esquema bilionário de desvio de recursos públicos para cooptação de partidos políticos e apoio a ditaduras de esquerda na América Latina. Um exemplo: um porto construído com dinheiro brasileiro em Cuba foi usado para traficar armas para a Coreia do Norte. Lula está na cadeia, e lá vai ficar por um bom tempo. O principal partido de oposição, o PSDB, também foi diretamente afetado pelas investigações, como o foram praticamente todas as legendas de médio ou grande porte. Bolsonaro e sua turma escaparam praticamente ilesos.

2)     O repúdio à ideologia do PT – Enquanto o país crescia com a alta das commodities mundo afora, na década passada as extravagâncias ideológicas do PT pareciam mais aceitáveis. Com a crise iniciada no segundo mandato de Dilma Rousseff, entretanto, elas se tornaram mais evidentes. Para o PT, o Muro de Berlim nunca caiu por completo – embora alguns integrantes do partido tenham visões mais modernas sobre a democracia e a economia.

O Brasil está a tornar-se um país de evangélicos. As igrejas protestantes das mais diferentes matizes estão em franco crescimento, e já abrigam mais de 30% dos brasileiros. Essas igrejas costumam dar mais ênfase a temas como a defesa da vida desde a concepção, a defesa da família natural e o repúdio à chamada ideologia de gênero, que repetidas vezes os governos de esquerda tentaram impor nas escolas.

Gabriel Castro

3)      Evangélicos – O Brasil está a tornar-se um país de evangélicos. As igrejas protestantes das mais diferentes matizes estão em franco crescimento, e já abrigam mais de 30% dos brasileiros. Essas igrejas costumam dar mais ênfase a temas como a defesa da vida desde a concepção, a defesa da família natural e o repúdio à chamada ideologia de gênero, que repetidas vezes os governos de esquerda tentaram impor nas escolas. Boa parte da cúpula da Igreja Católica permaneceu à esquerda e se viu falando para uma plateia cada vez mais diminuta.

4)      Segurança pública – Um em cada dez assassinatos do mundo ocorre no Brasil. A violência urbana choca diariamente, e teve um peso importantíssimo no resultado da eleição. Há poucos dias, por exemplo, um homem preso por estuprar a própria filha foi posto em liberdade pela Justiça. Ato contínuo, matou a garota a facadas. A solução de Bolsonaro para o problema do crime é genérica ao extremo, mas nesse aspecto vale mais o simbolismo do que o programa de governo. Ele fala grosso contra os bandidos, e não demonstra piedade para com os prisioneiros. Partidos de esquerda costumam defender o chamado desencarceramento, por que as cadeias estão cheias e em más condições. Bolsonaro, com a sua linguagem vulgar, diz: “Danem-se os bandidos”. Não quer ser morto ou preso? “É só não estuprar e não matar”, diz ele. Não gostou? “Leva o marginal para casa”, complementa Bolsonaro

5)      Internet – Esta foi a eleição da internet. Bolsonaro é imbatível por lá. Diversos candidatos oriundos do meio virtual se elegeram para o Congresso. O Whatsapp foi a arma mais importante da eleição – muito mais do que a TV. Se, por um lado, isso demonstra um poder de auto-articulação da sociedade civil, sem partidos, emissoras ou sindicatos como intermediários, por outro acaba por criar bolhas onde a verdade é tratada como fake news e notificas falsas são tomadas por verdade.

O protagonista da eleição, por ser o favorito e por ser diferente de tudo o que os brasileiros viram nos últimos 20 anos, é Bolsonaro. Do outro lado está o candidato do combalido (mas não abatido) PT, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.  Ele obteve 26,7% dos votos no primeiro turno. Hadadd é tido como uma figura mais moderada dentro do partido. O problema são as companhias. No dia seguinte à votação do primeiro turno, como todas as segundas, ele foi à prisão visitar Lula. A rejeição ao PT (como a de Bolsonaro) é muito elevada, com a exceção do Nordeste, a região mais pobre do país.

Bolsonaro está bem mais perto da vitória: candidatos aos governos estaduais de outros partidos agora correm para apoiá-lo e conquistar parte do eleitorado do capitão do Exército. Saberemos em 28 de outubro se esse favoritismo se confirmará nas urnas.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.