Tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo

“Tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo” podia bem ser o título de uma experiência de fé, de um caminho de encontro com Deus, durante o tempo de uma vida.

Este podia ser um texto sobre o melhor filme do ano 2023, atribuído pela Academia de Arte e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Um filme frenético, que nos transporta por diversas dimensões que se cruzam e descruzam, no tempo e no espaço. Mas não é.

“Tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo” podia bem ser o título de uma experiência de fé, de um caminho de encontro com Deus, durante o tempo de uma vida.

A experiência da fé cristã é relacional. É sabermo-nos amados, acompanhados e envolvidos de uma Presença interior e exterior a nós em todos os momentos. Nem sempre estamos conectados com essa consciência, mas quando nos ligamos entramos espontaneamente em oração.

Deus Pai é este Tudo que nos habita e nos transcende. Deus é esta força omnipotente que tudo cria e que conta com cada Ser Humano para implementar o Seu projeto de amor, numa dupla invencível de Tudo e nada. Ser colaborador de Deus (que vem do latim, ”com” + “laborare”), que significa trabalhar juntos, é reconhecer que nada tendo para O aumentar, se tem uma missão insubstituível de fazer viva, no tempo que nos é dado para viver, a Sua Palavra, o Seu exemplo, a Sua maneira tão própria e revolucionária de amar. Deus é este Criador que cria o Universo, a matéria, as leis que a regem e, paralelamente, o cuidador da tão finita pequenez que é cada um de nós, que quer precisar, não da Humanidade em sentido lato, mas da inteireza do amor de cada indivíduo, na sua diferença, para a construção da Sua Igreja. Deus é este Pai que Tudo cria, que dá vida aos corpos perecíveis e que deseja distribuir a plenitude da outra vida, a que não acaba, a eterna.

Deus Pai é este Tudo que nos habita e nos transcende. Deus é esta força omnipotente que tudo cria e que conta com cada Ser Humano para implementar o Seu projeto de amor, numa dupla invencível de Tudo e nada.

Jesus é este “em todo lado”. É procurá-Lo e encontrá-Lo em todas as realidades criadas. É vê-Lo com a mesma inteireza na criança esperançosa e na solidão do velho, na música, nas palavras, no doente, no pobre, na Natureza…

É o perpétuo jogo das escondidas de encontrar Jesus nos rostos dos que sofrem, no sorriso de alguém de quem gostamos, na beleza do trabalho que dignifica e nos põe ao serviço, na imensidão do mar ou no despercebido inseto.

É, essencialmente, reconhecê-Lo em cada Homem. É tão simples! É ver o amor que foi dedicado a toda a criação e deixar-se maravilhar como se fôssemos o próprio Jesus a olhar para as realidades criadas. É viver longe da pretensão de querer ser melhor do que alguém, mais digno, mais importante…É ter a convicta humildade de reconhecer que cada irmão é tão amado por Deus como cada um de nós e ficar feliz por isso. É ir ao encontro dos leprosos, cegos e paralíticos dos dias de hoje, é cuidar dos nossos como Jesus cuidou dos Seus. É, paralelamente, querer ser imagem de Jesus, seu testemunho vivo, Seu discípulo.

É, essencialmente, reconhecê-Lo em cada Homem. É tão simples! É ver o amor que foi dedicado a toda a criação e deixar-se maravilhar como se fôssemos o próprio Jesus a olhar para as realidades criadas.

Deus é esta experiência de viver tudo “ao mesmo tempo” através do Espírito Santo. É sentir a Sua presença constante em todos os segundos e anos da vida. É extrapolar o nosso próprio entendimento e tentar compreender a omnipresença do Espírito Santo, em mim, no outro, na História, desde o princípio até ao fim dos tempos, assim como O sabemos presente hoje.

Na experiência da fé, podemos viver todos os tempos litúrgicos num só dia, assim como se fosse possível experimentar as quatro estações do ano ao mesmo tempo. O Advento de quem espera, procura e se prepara para acolher o Deus que há de vir; a alegria do Natal de se deixar maravilhar por este Deus que por mim se fez Homem, que vem ao meu encontro e assume a minha condição humana; a Quaresma de me conseguir identificar com este Jesus que sofre quando a vida pesa e pedir-Lhe “Fica comigo” e conseguir, em simultâneo, reconhecê-Lo nos tristes, abandonados, doentes, desfigurados, onde Jesus se esconde e nos pede Ele “Fica comigo”; na jubilosa Páscoa que justifica a nossa fé e esperança, que vence a dor e a tristeza e nos abre as portas da eternidade; e o Tempo Comum, onde a cadência dos dias nos transporta na simplicidade do quotidiano.

“Tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo” é a vivência Pascal que somos convidados a viver hoje, na realidade de cada um, reconhecendo o “Tudo” no Pai, Jesus “em todo o lado e o Espírito Santo em todo o tempo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.