Redes sociais ou a ilusão da conexão?

Apesar de haver necessidade de mais estudos, temos já algumas evidências que sugerem que o uso excessivo das redes sociais pode aumentar sentimentos de depressão, ansiedade, stress, privação do sono, compulsão, solidão e narcisismo.

As redes sociais são um fenómeno omnipresente no nosso quotidiano. São horas e minutos, gastos todos os dias, em atividades nas mais diversas plataformas e ferramentas digitais. Em menos de duas décadas, graças à evolução da internet e das tecnologias da informação e comunicação, as redes sociais tornaram-se um dos principais meios de comunicação e uma importante ferramenta de socialização. Através de um simples click, estamos em contacto anytime, anywhere.

O que têm em comum e de apelativo esta aplicações? Permitem aos seus utilizadores criar perfis, através dos quais podem partilhar fotos, informação e outros conteúdos com diversas pessoas. Facilitam uma comunicação quase instantânea e uma interação social rápida entre utilizadores, dando-lhes a oportunidade de partilhar ideias, interesses, gostos, opiniões, informação. Outras funções, incluem o divertimento, a procura de amigos com mesmo perfil, a publicidade e o comércio online, até mesmo a procura de emprego.

Tornaram-se assim ferramentas de comunicação, de interação social, de conexão, e de divertimento, cujos conteúdos são proporcionados e criados por pares. Nestas, ao contrário dos meios de comunicação que as antecediam, deixamos de ser recetores passivos de informação, e assumimos o papel de criadores ativos.

Tornaram-se assim ferramentas de comunicação, de interação social, de conexão, e de divertimento, cujos conteúdos são proporcionados e criados por pares. Nestas, ao contrário dos meios de comunicação que as antecediam, deixamos de ser recetores passivos de informação, e assumimos o papel de criadores ativos.

Com a facilidade no acesso e utilização das tecnologias de informação e comunicação assim como da internet, estas ferramentas tornaram-se cada vez mais presentes nos diversos contextos de vida e o seu uso tornou-se cada vez mais frequente. Como expressam os números do Digital 2022: April Global Statshot Report, mais de 5 milhões de pessoas utilizam a internet, representando 63% da população mundial. Em Portugal, em janeiro de 2021, havia 8.58 milhões de utilizadores de internet. Destes, 7.80 milhões utilizam redes sociais, registando-se um aumento de 11% entre 2020 e 2021.

Em média, cada pessoa cria conta em 6 redes sociais, que consulta 5 a 9 vezes ao dia; 8 em cada 10 adultos e 9 em cada 10 adolescentes começam a utilizar e a dar atenção às redes sociais 15 minutos após acordarem, e gastam cerca de 4 horas diárias nas mesmas.

O fascínio pelo crescimento exponencial da cultura digital e pelas transformações que teve nas nossas sociedades tem sido acompanhado pelo interesse em perceber as reais vantagens e desvantagens associadas ao uso da internet e das redes sociais e em particular de “estar sempre ligados”. Sem dúvida que, se forem usadas de forma adequada e consciente, existem aspetos positivos no uso das redes sociais, como a rápida disseminação de informação e de comunicação. Estas plataformas têm também a capacidade de aumentar o número de conexões sociais, o que pode ser vantajoso para alguns indivíduos, particularmente aqueles que estão socialmente isolados ou solitários, proporcionado a oportunidade de interagir de forma rápida e fácil com o mundo.

A experiência do uso destas ferramentas durante o período pandémico atestou isso mesmo, evidenciando a utilidade destas para lidar com a tensão psicológica e o stress associados ao distanciamento físico prolongado, devido ao isolamento social obrigatório, ajudando a manter o apoio social.

Em suma, estes meios de interação e de comunicação digitais parecem ser utilizados para satisfazer diversas necessidades sociais (e.g. pertença a um grupo social) e psicológicas (e.g. bem-estar, autonomia, competência), oferecendo oportunidades de lazer, facilitando assim as atividades lúdicas, convívio e entretenimento. Todavia, o seu uso pode acarretar efeitos negativos, sobretudo em populações/ pessoas mais vulneráveis. Aliás as dificuldades parecem surgir no imediato pelo simples facto de não ser possível o acesso. Como evidenciam alguns estudos, a maioria das pessoas relata ficar “aborrecido” por não poder estar online (63%); 46% refere dar por si a usar a internet sem um propósito definido; e, 11%, com frequência, deixam de estudar ou de passar tempo com a família e com os amigos por causa da internet. O uso excessivo das redes sociais parece assim potenciar o desinteresse por outras atividades e até mesmo o isolamento social, uma vez que este uso exagerado parece associar-se a uma redução do contacto “cara a cara”.

O acesso rápido a toda a informação e às conexões que as redes sociais proporcionam pode precisamente constituir-se como desvantagem, ao fomentar a dependência do seu uso. Esta necessidade de “estar sempre ligado”, mais do que procura de conexão, informação ou divertimento, decorre do medo de ser excluído ou rejeitado por não vivenciarmos ou não estarmos a par das vivências dos outros membros do grupo (“fear of missing out”).

Esta necessidade de “estar sempre ligado”, mais do que procura de conexão, informação ou divertimento, decorre do medo de ser excluído ou rejeitado por não vivenciarmos ou não estarmos a par das vivências dos outros membros do grupo (“fear of missing out”).

Para muitas pessoas, o uso generalizado das redes sociais tornou-se uma “forma de ser”, associada à construção e representação da identidade pessoal. Este contacto constante com as redes sociais pode facilmente provocar efeitos negativos em termos do bem-estar subjetivo e da satisfação com a vida, uma vez que o seu uso está associado à comparação “ponto a ponto” com o outro e com a vida do outro.

A partilha de informação através de conteúdos visuais (vídeos, fotos) possibilita o controlo em relação ao que é exposto e permite estruturar e editar as autorrepresentações que são partilhadas. A importância que é dada à imagem online é facilmente ilustrada com o tempo dedicado às fotografias. Este cuidado prende-se não apenas com a qualidade das mesmas, mas sobretudo com a forma como as fotografias nos retratam, evidenciando a grande preocupação com a aparência física e com uma aparente vida ideal.

Os ideais de aparência são fortemente reforçados e a exposição frequente a estes conteúdos pode influenciar o desenvolvimento de problemas como baixa autoestima, insatisfação com a imagem corporal e mesmo perturbações alimentares. A comparação com a vida ideal do outro pode gerar a preocupação de que o outro possa ter uma vida mais interessante e desejável, provocando um estado psicológico de ansiedade, fortemente relacionado com irritabilidade, solidão e sentimentos de inadequação social.

Apesar de haver ainda necessidade de mais estudos sobre este tema, temos já algumas evidências que sugerem que o uso excessivo das redes sociais pode aumentar sentimentos de depressão, ansiedade, stress, privação do sono, compulsão, solidão e narcisismo.

Apesar de haver ainda necessidade de mais estudos sobre este tema, temos já algumas evidências que sugerem que o uso excessivo das redes sociais pode aumentar sentimentos de depressão, ansiedade, stress, privação do sono, compulsão, solidão e narcisismo.

Assim se percebe que, em contra corrente aos números acima citados, encontramos cada vez mais pessoas que indicam de forma consciente e intencional que não querem participar nas redes sociais ou que estão a abandoná-las. Para este novo fenómeno parecem ter contribuído fatores como o cenário de polarização política que nos últimos anos testemunhamos em diversos países (eg. Estados Unidos da América, Brasil). A propagação de notícias falsas e os problemas com a proteção de dados também têm afastado muitos utilizadores. A “pegada digital”, ou seja, o reconhecimento de que tudo aquilo que é publicado “não se apaga”, ficando uma “memória” daquilo que foi feito, aliada à exposição em excesso e ao voyeurismo desnecessário, são também razões frequentemente apontadas para este afastamento. A esta tendência não será alheio o reconhecimento crescente de que o nosso sentido de valor pessoal e aceitação social não podem depender do número de “amigos” e ou de “likes” que se alcança nas diferentes plataformas.

Em suma, afinal não precisamos das redes sociais para ter uma vida plena. O que podemos ganhar ao abdicar das redes sociais ou ao controlar e diminuir o uso das mesmas? Em primeiro lugar vamos certamente recuperar um tempo que não sabíamos que tínhamos. Tempo que podemos utilizar para realizar atividades e interações sociais positivas com amigos ou com a família, reforçando laços e criando conexões fortes e reais.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.