Um país de mesada?

Com eleições europeias logo depois das legislativas, por uma vez podemos discutir a Europa sem estar a pensar na política nacional: falar de tendências europeias e prioridades nacionais. Ou, como de costume, apenas dos fundos.

Daqui a dois meses, num domingo de fim de semana comprido, há eleições europeias, entretanto atropeladas pelas eleições legislativas. O potencial para a abstenção é ainda maior do que o costume. Por outro lado, e a menos que então ainda haja ajustes de contas por fazer com as legislativas, o que é possível, por uma vez os eleitores podem escolher sem olhar para a política interna. Pode ser uma oportunidade para pensar no que importa na Europa e o que é importante para Portugal.

As coisas mais importantes para Portugal na Europa nos próximos anos são (pelo menos e entre outras):

Em que sentido irá a autonomia estratégica europeia? Será confrontacional, ou pelo menos alternativa aos Estados Unidos da América? Isso ainda é uma opção? E quer dizer o quê, faz-se como e que consequências tem para nós?

E na segurança e política internacional, será sobretudo autónoma, mas não alternativa nem competitiva, implicando mais responsabilidade?

A consciência geopolítica que Von der Leyen e a pandemia inauguraram vai ter consequências na segurança e defesa? Quais? Investimentos na indústria europeia de segurança e defesa? Temos alguma coisa a ver com isso? A perder ou a ganhar? Temos indústria? E saberemos incluí-la no que venha a ser investigado, desenvolvido, investido e comprado pelos europeus?

Se os EUA não mantiverem o nível de apoio à Ucrânia a Europa manterá e aumentará?

Os europeus, em geral, e os portugueses em particular, sabem que a guerra da Ucrânia não é apenas existencial para Kiev, mas também para o lugar que a Rússia quer ocupar, pelo menos na região. E, portanto, para a estabilidade e segurança da Europa. Vamos ser claros quanto a isso? E quanto às potenciais consequências?

A relação europeia com a China, com as exportações para a China, com as importações da China e, muito significativo para nós, com o investimento chinês, será definida pela América, por alternativa à América ou em função de uma análise interna de interesse e risco, mesmo que idêntica? E nós, em Portugal, fazemo-la? Onde? E quando?

Uma Europa convencida de que a geopolítica é geoeconomia e liderança industrial, está a derrubar as regras do mercado interno e da concorrência. É verdade que precisamos e beneficiamos do sucesso da economia alemã, o caso paradigmático. E também é óbvio que não somos verdadeiramente concorrentes. Os investimentos que a Alemanha ou França atraem assim (com enormes apoios orçamentais) provavelmente não viriam, em alternativa, para Portugal, mas criam desequilíbrios mais profundos. Pelo menos asseguremos que podemos competir com o dinheiro que não é inteiramente nosso (os fundos de coesão), e com o que não temos: impostos (competitividade fiscal). Se os alemães podem dar dinheiro do seu Orçamento de Estado, países como Portugal têm de poder dar benefícios e outras vantagens fiscais. A alternativa é um enorme desequilíbrio.

Com os Estados Unidos mais de olho no indo pacifico, temos capacidade de contribuir para uma estratégia europeia no Atlântico? Sabemos o que queremos? Ao menos, o que quereríamos? Portugal e a sua suposta fraternidade afro-brasileira tem alguma coisa a dar a esse realinhamento estratégico?

Com os Estados Unidos mais de olho no indo pacifico, temos capacidade de contribuir para uma estratégia europeia no Atlântico? Sabemos o que queremos? Ao menos, o que quereríamos? Portugal e a sua suposta fraternidade afro-brasileira tem alguma coisa a dar a esse realinhamento estratégico?

O alargamento a leste e aos Balcãs, mesmo que demore ou nem aconteça completamente, terá consequências em termos de relevância global da UE, da centralidade na Europa e das prioridades europeias, inclusive orçamentais. Estamos a pensar como viver com menos fundos? E em passar a concorrer mais aos fundos competitivos que não distinguem países ricos e pobres, mas sim entre quem arrisca, investiga, lidera?

Se a Europa continuar a ver muitos governos a extremar-se e a desagregar (imagine-se uma presidência Le Pen), temos plano B?

Se estamos à beira de uma nova revolução industrial, por causa da Inteligência Artificial (IA), e se a IA só se regula pelo menos a nível europeu, temos ideias sobre como deveria ser essa regulação?

E industrialmente? Temos contexto, pelo menos isso, para atrair empresas com investimento e talento onde vai ser crucial algum crescimento tecnológico europeu?

Dito de outra maneira, mais simples: sabemos quais são as principais tendências europeias. Ou pelo menos podemos saber. Temos noção de como se alinham, ou não, com os nossos interesses?

Se as próximas eleições europeias forem sobre política interna, ou sobre quantos fundos conseguimos, uns disparates recorrentes sobre tecnocratas e federalismo, uns escândalos graves mas inconsequentes, e uma discussão sobre migrações importada, e completamente desadequada da nossa realidade, continuaremos a ser uma espécie de filhos adolescentes dos líderes europeus. Dependentes da mesada, da casa e da comida, a resmungar pela falta de autonomia e por não sermos tratados como adultos, que abdicamos de ser.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.