Pai S. José

É uma lição de santidade laical: um 'apóstolo' completamente normal, "ordinário", sem nada de espetacular. Ainda assim, foi a base, foi o 'chão' seguro para tudo o que de extraordinário veio a acontecer.

Gostava de poder ler nos Evangelhos uma palavra de São José. Teria para mim a força de um mandato divino!
Diz-me muito o homem a quem Deus chamou pai. Nem sei bem explicar porquê. A vida tem ajudado: em miúdo estudei nas oficinas de São José e depois no seminário de São José de Caparide. Mas tarde, em Moçambique, trabalhei na missão de São José Operário e na universidade de São José em Macau. Há muitos anos que faço parte de um movimento de Igreja, iniciado por um… José.

São José foi chamado a entrar na grande história do amor autêntico: teve dúvidas, foi magnânimo, e aceitou o projeto de Deus para a sua vida. Místico prático, discreto e de ação pronta; a sua castidade heróica é um ideal a não perder de vista. Emana uma força grande, e tranquila.

Para um pai de família, São José só pode dizer muito, de muitas maneiras. Quanto tempo nosso é vivido escondido no silêncio de tantas preocupações não manifestas, de tarefas a cumprir, de tudo o que é preciso prover?
Há uma fidelidade silenciosa necessária para que a vida cresça: a fidelidade de São José, a fidelidade de cada pai. Ninguém aplaude nem elogia, ninguém agradece nem dá presentes (só os filhos mais pequenos neste dia do pai!). Mas todos aceitamos que sem a providência de José, de cada pai, a vida não tem condições para florescer bem. Tudo fica enviesado. Talvez só nos demos conta disso quando falha, a paternidade. E tem falhado muitas vezes. Nós, pais, temos falhado muito! Eu falho. Serão muitas as razões, mais macro-culturais ou mais do microcosmo ou contexto de cada um. É preciso agir mais nisto. As desastradas experiências históricas, marxistas e freudianas, juntam-se às estatísticas e realidades do mundo de hoje para gritar em uníssono: tudo se torna muito mais difícil sem um pai presente e fiel!

Precisamos de mais pai, na família; precisamos de mais personalidades paternais, no trabalho, na sociedade, na política. Homens que orientem, que estimulem, que eduquem, que sugiram com veemência e cuidado, que saibam espicaçar com clarividência, que tomem iniciativas corajosas e levem tudo à frente quando for preciso. E que busquem em Deus Pai a força e a autoridade para fazerem isso tudo bem, ou o melhor possível. Claro que não precisamos de caricaturas de pai, tiranos ou ditadores, demissionários ou paternalistas. Estamos fartos de caricaturas dessas. Talvez São José possa ajudar, como crivo de uma autêntica paternidade.

Silêncio orante
São José é o homem do silêncio.
Foi no silêncio que escutou Deus e o Seu projeto. Talvez o silêncio seja, antes de mais, a primeira qualidade de um pai: para escutar o Pai na oração, para ter força e autoridade educativa, para acertar depois na palavra.
O silêncio é tão necessário, cada vez mais. Há tanto ruído, digital e de todo o tipo. Em José, os sonhos tornam-se oração, e fica claro o próximo passo, só o próximo passo. Não somos omniscientes e ele também o não era. A nossa vida há de ser sempre um farejar, um constante tatear de qual o próximo passo a dar. E para isso é preciso rezar, mais, e melhor. Pode um pai ter uma intensa vida de oração? Pode, e deve! Toda a boa ação e mudança partem da oração. Se não rezamos, sintonizando a vida com Deus Pai, seremos sempre uns pais mais ou menos medíocres. São José dá-nos uma lição de silêncio orante, a todos, especialmente aos pais.

Toda a boa ação e mudança partem da oração. Se não rezamos, sintonizando a vida com Deus Pai, seremos sempre uns pais mais ou menos medíocres. São José dá-nos uma lição de silêncio orante, a todos, especialmente aos pais.

Estilo laical
São José era leigo. E tornou-se santo como leigo. É uma lição de santidade laical: um ‘apóstolo’ completamente normal, “ordinário”, sem nada de espetacular. Ainda assim, foi a base, foi o ‘chão’ seguro para tudo o que de extraordinário veio a acontecer. Não terá um pai de ser assim também, terra firme onde a mãe e os filhos possam construir as suas vidas?
Na vida de leigo, há três aspectos que me merecem uma atenção particular: a conjugalidade, a paternidade e o trabalho. Tudo realidades vividas pelo nosso santo.

Conjugalidade criativa
São José foi casado e viveu a conjugalidade com Nossa Senhora. Certamente um casamento muito especial, mas um casamento de facto. Conjugar diariamente a vida com uma mulher, tão diferente, com prioridades e preferências tão distintas. Sensibilidades tão diversas que pedem um constante alinhar da vida e de uma frente comum educativa: sem a mãe ao lado, o pai perde muita força, e vice versa. Há tanta boa complementaridade que se vai conseguindo. Tanto passo a acertar no quotidiano. Os casados sabem do que falo. Tantos imponderáveis: as pequenas e grandes decisões do dia a dia. E muito mais: a educação de cada filho, as contas a gerir, o manancial de emoções da relação entre os dois – todo um mundo de desafios práticos, emocionais, vivenciais.

Paternidade ativa
Ser pai hoje é um desafio brutal. Todos os dias o experimento na pele! A conjugação permanente entre afeto, presença e autoridade. A vinculação vital a cada filho e a necessária liberdade para que cresçam.
Tenho vindo a perceber que para ser pai é preciso ser filho. Continuar a ser filho para crescer como pai. O ideal será conseguir ser filho perante Deus e pai entre os homens.
A desejada fraternidade precisa antes de uma boa paternidade. Querer começar pela fraternidade é começar uma casa pelas paredes. Primeiro filhos, depois irmãos. É assim no plano natural, há de ser assim em qualquer comunidade humana. De outra forma não resulta, como a história nos tem dito.
E os desafios educativos? O espaço que é dado hoje aos pais para educar, e o espaço que os pais efetivamente conseguem ou querem ocupar. As tecnologias e a sua incrível preponderância. Os atuais paradigmas massificados e ‘socialistas’, de tantos tipos, que, infiltrados na cultura, tolhem o necessário protagonismo dos pais, diluindo por demasiada gente e instituições a responsabilidade de educar.

Trabalho e repouso com sentido
São José trabalhava. Pagava as contas e era providente. Promover uma consciente espiritualidade do trabalho traz a marca da Encarnação. Santificar o trabalho é dar-lhe um sentido de eternidade. Na fé, o trabalho ganha uma dimensão eucarística, de entrega. A minha mesa de trabalho pode ser quase um ‘altar do sacrifício’, o meu gabinete pode tornar-se um pequeno santuário. São dois os riscos a evitar: identificar sucessos laborais com benção divina – ao estilo judaico ou calvinista – ou exagerar, idolatrando a própria profissão e atividade, descurando tudo o mais.
Faz falta também uma teologia do repouso. Uma saudável espiritualidade do tempo livre, que ajude a descansar mesmo e a temperar a vida: a ganhar força. Até para trabalhar melhor, com mais sentido e clarividência.

Imagino uma escola de formação de adultos ou um curso para pais com um currículo “São José”. Silêncio orante, Estilo laical, Conjugalidade criativa, Paternidade ativa e Trabalho e repouso com sentido, poderiam bem ser algumas das “cadeiras” ou módulos desse curso. Além disso, na própria escola da vida, São José poderia ser muito mais o nosso amparo e guia. Oxalá o deixemos.

Bom dia do pai! Bom dia de São José!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.