Reaprender a celebrar

Mesmo sem a presença física, temos que continuar a encontrar modos alternativos de encontro e celebração comunitários. Que seria de nós sem a possibilidade de reconhecermos as virtudes que nos moldam!

No passado dia 4 de novembro celebrou-se no Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso, a festa do seu padroeiro, S. Nuno Álvares Pereira (antecipadamente, pois a memória litúrgica é dia 6). Todos os anos o dia de S. Nuno é para a comunidade educativa das Caldinhas um dia de festa! Este ano, pela primeira vez, não houve a tradicional celebração da Eucaristia, no pavilhão do Colégio, com todos os alunos e educadores. A razão para a quebra da tradição foi a impossibilidade de garantir as medidas de prevenção e segurança em vigor neste tempo de pandemia.

A equipa da Pastoral do Colégio teve que encontrar uma forma alternativa para celebrar o seu santo padroeiro. Fez-se uma oração na Igreja do Colégio, com a presença dos delegados de turma, representando a sua turma, e alguns educadores. Cada delegado trouxe a “espada da turma”, a qual tinha sido decorada pelos alunos, simbolizando, à semelhança de S. Nuno (e também de S. Inácio de Loyola) tudo aquilo que desejavam deixar e mudar na sua vida. As espadas foram depositadas aos pés de Nossa Senhora, como um compromisso a realizar essa mudança. A oração foi filmada e transmitida online pelo canal Youtube do Colégio, para que cada turma participasse na oração, na sua sala de aula. No final, como sempre, cantou-se o Hino da Padroeira, a Maria Imaculada. Embora tivesse sido tão diferente dos outros anos, esta oração encheu-nos a todos de alegria. Rezámos juntos e honrámos os valores e as virtudes do nosso Santo.

Nestes tempos tão exigentes, quantas vezes deixámos de celebrar alguma data ou acontecimento importante? O facto de não podermos estar com outras pessoas, em festas e encontros, levou-nos a cancelar, alterar, ou até reinventar festas de aniversário, primeiras comunhões, casamentos, festas escolares, jantares de amigos, e tantas ocasiões para celebrar as nossas vidas.

O facto de não podermos estar com outras pessoas, em festas e encontros, levou-nos a cancelar, alterar, ou até reinventar festas de aniversário, primeiras comunhões, casamentos, festas escolares, jantares de amigos, e tantas ocasiões para celebrar as nossas vidas.

A celebração de marcos importantes tem uma importância humana vital. Leva-nos a agradecer as coisas boas da vida, os sucessos alcançados, e a reconhecer o que de positivo recebemos uns dos outros. Leva-nos também a agradecer os dons que Deus nos dá, a alegria da sua bondade, através de tantos acontecimentos que nos fazem mais felizes. Também celebramos datas importantes para fazer memória de outras pessoas notáveis, que foram marcantes no nosso crescimento, em quem reconhecemos valores e qualidades que queremos continuar a imitar. Essas memórias podem ser de familiares já falecidos, de pessoas que caminham connosco, de santos ou ainda de datas importantes da nossa história.

Repentinamente, deixámos de poder festejar essas datas e acontecimentos, como costumávamos fazer, desde sempre! Como tantas outras coisas que tivemos que reaprender com criatividade, também as celebrações passaram a ter menos pessoas, a ser ao ar livre, online, ou até mesmo a serem inviabilizadas, por não cumprirem as “normas”. De facto, surgiu um valor maior que exige todos os cuidados de contacto com os outros, não nos deixando celebrar como gostaríamos. Porém, é importante, diria mesmo essencial, que continuemos a encontrar formas alternativas de celebrar aquilo e aqueles a quem damos valor.

Para os mais novos, celebrar um aniversário é uma alegria. É um dia que se deseja antecipadamente, com expectativa e ansiedade. Não só porque todas as atenções se centram na vida da pessoa, mas também (e sobretudo) porque se juntam a ela todas as pessoas queridas para si. Para um Cristão, celebrar a Eucaristia é um momento de comunhão e de festa, onde a comunidade se junta em volta do altar para agradecer a Deus a vida e a salvação. Celebrar é reconhecer e agradecer a pessoa que somos, a todas as outras pessoas que amamos e que nos ajudaram a ser quem somos hoje. Por isso não faz sentido celebrar sozinho!

Pela mesma razão se torna crucial celebrar as datas significativas das nossas famílias, das nossas escolas, das nossas equipas, da nossa Igreja, das nossas empresas e do nosso país. Porque também estamos a valorizar que muito do que somos se deve a essas comunidades de amigos aos quais pertencemos. Portanto, mesmo sem a presença física, temos que continuar a encontrar modos alternativos de encontro e celebração comunitários. Que seria de nós sem a possibilidade de reconhecermos as virtudes que nos moldam, os princípios que herdamos, os comportamentos que imitamos, as pessoas que amamos, os dons que agradecemos!

Mesmo sem a presença física, temos que continuar a encontrar modos alternativos de encontro e celebração comunitários.

Claro que não é a mesma coisa! Claro que preferimos todos sorrir, dançar e abraçar-nos. Mas, ainda que tenhamos que conformar-nos com que essa natural expressão afetiva não seja viável, há muitas outras formas de nos tornarmos presentes, de sermos “presente” para os outros. Os meios tecnológicos permitem-nos hoje vencer as distâncias e criar momentos de verdadeira comunhão com os outros. Tenho descoberto que há uma grande vantagem nos “encontros” online: podemos ver a cara das pessoas, coisa que não acontece ao vivo, por causa da máscara!

Celebrar é uma necessidade humana básica e vital. Permite-nos viver agradecidos pelo que vamos dando e recebendo uns dos outros e das nossas comunidades de pertença. Continuemos a teimar, com criatividade, em descobrir modos novos e alternativos de fazer festa!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.