Nestes tempos em que o confinamento provocado pela pandemia da Covid-19 nos obrigou a ficar em casa, é importante lembrar um outro fenómeno que afeta diretamente as casas dos portugueses e que necessita ser encarado e resolvido. Trata-se da pobreza energética e do modo como os impactos das alterações climáticas nos sujeitam cada vez mais aos efeitos nefastos das ondas de calor e de frio, agravando as consequências da impreparação dos edifícios que habitamos.
Analisados os índices de mortalidade causados pelo frio na União Europeia, os dados mostram que se morre menos de frio na Finlândia do que em Portugal (EUROSTAT 2019). Parece estranho mas no fundo não é. E muitos de nós já ouvimos estrangeiros do norte ou centro da Europa queixarem-se do frio que passam em Portugal dentro de casa, apesar do sol que cá vieram procurar.
No nosso país uma grande parte das casas são miseravelmente isoladas. Não têm dispositivos estruturais de climatização e por isso as pessoas vivem numa vulnerabilidade extrema ao frio, e sobretudo ao nosso frio húmido do Atlântico. Portugal tem um índice de pobreza energética diametralmente oposto ao da Finlândia.
São, aliás, inúmeras as doenças crónicas – sobretudo de índole respiratória, cardiovascular e reumática – provocadas por este problema do mau desempenho energético das habitações. É, pois, urgente pensar a vida, as casas e os espaços públicos em termos de segurança térmica e da saúde pública que lhe está associada.
São, aliás, inúmeras as doenças crónicas – sobretudo de índole respiratória, cardiovascular e reumática – provocadas por este problema do mau desempenho energético das habitações. É, pois, urgente pensar a vida, as casas e os espaços públicos em termos de segurança térmica e da saúde pública que lhe está associada.
A má qualidade da construção que resulta de um sector imobiliário que reflete um conjunto de disfunções crónicas do país, e ainda uma fraca cultura pública sobre energia e os seus balanços, levam a esta estranha situação: um dos países que tem melhor clima na Europa ser também um daqueles onde mais gente sofre e até chega a morrer de frio.
A mesma reflexão pode ser replicada na situação inversa das ondas de calor – nem isolamentos, nem ensombramentos, nem o respeito por regras de orientação do edificado ou das cérceas, nem por tradições úteis que protegiam as casas e os espaços públicos das canículas, têm hoje qualquer existência no nosso mundo de prédios e loteamentos densos.
As alterações climáticas são um fator que veio agravar toda esta condição espalhada pelo país e que se desenvolve com uma dinâmica mais rápida do que a prevista.
A pobreza tem muitas expressões, algumas estão infelizmente bem à vista e agora particularmente agravadas pelos tremendos efeitos sociais da pandemia, como bem têm chamado à atenção o Banco Alimentar e a Cáritas. Outras são menos visíveis e menos faladas, como é o caso da pobreza energética – trata-se de um tipo de pobreza que atinge já com severidade as populações mais frágeis deste país, muito concretamente os mais velhos e as famílias mais carenciadas. Está definida como a incapacidade para aquecer, mas também para arrefecer uma habitação.
Acresce que Portugal tem muito bom conhecimento estatístico, não só do seu parque edificado, como da distribuição populacional, sendo por isso possível traçar com grande rigor as escalas de vulnerabilidade ao empobrecimento energético.
A resposta a este problema terá de ser transversal a toda a sociedade portuguesa, porque é enorme a percentagem do parque habitacional português que precisa de ser intervencionado abrangendo diferentes estratos sociais.
E esta é a oportunidade certa para isso. Por um lado, porque os planos e programas nacionais aprovados em finais de 2019 – como são os casos do Roteiro para a Neutralidade Carbónica e do Plano Nacional de Energia e Clima – prevêem medidas e metas diretamente aplicáveis à habitação, tais como prioridade à eficiência energética e reforço na aposta das energias renováveis para a produção de calor e frio “com equidade”, ou seja, garantindo uma transição energética justa, democrática e coesa.
Por outro lado, porque uma dimensão importante do Pacto Ecológico Europeu e respetivo Fundo de Transição Justa dedica-se especificamente à transição energética com o importante princípio de “não deixar ninguém para trás”. Ou seja, o pacote financeiro previsto para os investimentos a realizar nos países da União Europeia tem como objetivo central uma aposta séria na eficiência energética dos edifícios, na criação de comunidades energéticas, na microgeração usando o solar e nas redes inteligentes. Tudo isto criará empregos qualificados, além de melhorar o conforto térmico, a qualidade do ar e a saúde pública, reduzindo as referidas bolsas de pobreza energética que nos indignam e envergonham no quadro europeu.
A resposta a este problema terá de ser transversal a toda a sociedade portuguesa, porque é enorme a percentagem do parque habitacional português que precisa de ser intervencionado abrangendo diferentes estratos sociais.
Mas para isso ser alcançado com sucesso é preciso um grande esforço e uma grande mudança no modo como as políticas públicas têm sido lançadas num país como Portugal, que, além da pobreza, também sofre de iliteracia energética. O país é pequeno e somos poucos; sabemos estatisticamente quem somos, onde estamos e como vivemos. É só uma questão de nos organizarmos. Assim, para que as medidas e políticas lançadas no que respeita à melhoria da condição energética dos portugueses sejam bem sucedidas são necessárias pelo menos três condições básicas: 1) boa informação, divulgação e comunicação; 2) colaboração intersetorial – com a saúde ou a assistência social, e/ou as juntas de freguesia; 3) mediadores que esclareçam riscos e benefícios, e ajudem a ultrapassar as barreiras burocráticas que habitualmente criam inúmeras dificuldades práticas ao cidadão comum para aceder a estes apoios.
Se pensarmos nas três linhas mestras que devem sempre orientar as políticas públicas: eficácia, eficiência e equidade, o elo mais fraco nesta matéria tem sido a ‘equidade’. Há, pois, que levar em conta os grupos sociais mais vulneráveis para não agravar desigualdades na aplicação das medidas de eficiência energética e facilitar o acesso ao tão necessário e salutar conforto térmico.
E, para isso, é preciso chegar às pessoas e descodificar a complexa questão da energia, mobilizando-as na adesão a novas práticas, hábitos e tecnologias, através de processos inovadores de envolvimento cívico e social.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.