O sexo e o centro da moralidade cristã

A preparação do Sínodo, em que pela primeira vez todos os batizados podem e devem participar, vai certamente revelar aos Bispos que um dos grandes fossos que separa os jovens da Igreja é a moral sexual.

Sabemos mais sobre a moral sexual do que sobre as obras de misericórdia, ou até quantas e quais são. Cristãos e não cristãos têm todos qualquer coisa importante a dizer sobre o dilema dos divorciados e das pessoas que vivem em uniões de facto, sobre o seu lugar no seio da Igreja e sobre o acesso aos sacramentos – se têm ou não esse direito. Muitos têm opiniões construídas e elaboradas sobre o modo de vida dos outros, assim como tinham as alcoviteiras das aldeias de antigamente, lendo-lhes a alma e julgando os seus pecados – como se fosse possível julgar pecados. Na mesma linha de sabedoria popular, também são raros os católicos que não tenham discutido algures no tempo e à mesa de um bar qualquer, quase sempre aos gritos – porque da moral trata-se aos gritos -, as razões filosóficas ou só porque sim, da castidade no namoro, da homossexualidade ou dos diversos “tipos” de infidelidade. Como encaixar tudo isto no Cristianismo? Foram jantaradas regadas destes assuntos. E os preservativos: lembram-se quando o debate público sobre a cristandade se resumia ao uso dos preservativos e ao que a Igreja tinha a dizer sobre o assunto?

Escreveu CS Lewis há décadas: “Dizem que o sexo se tornou um problema grave porque não se falava sobre o assunto. Nos últimos anos não foi isso que aconteceu. Todos os dias se fala sobre o assunto e continua a ser um problema. Se o silêncio fosse a causa do problema, a conversa seria a sua solução. Mas não foi. Acho que é exactamente o contrário”. Depois de dedicar ao tema um capítulo do livro, Mere Christianity – livro este baseado num programa de rádio transmitido durante a II Guerra Mundial e que devia ser de leitura obrigatória a todos os cristãos -, CS Lewis acaba assim a sua reflexão simples e resumida: “Apesar de eu ter falado bastante a respeito de sexo, quero deixar tão claro quanto possível que o centro da moralidade cristã não está aí. (…) Existem duas coisas dentro de um ser humano que competem entre si para fazerem com que a pessoa se torne predominantemente numa delas: a parte animal e a diabólica. A diabólica é a pior das duas. E é por isso que um moralista frio e pretensiosamente virtuoso, que vai regularmente à Igreja, pode estar bem mais perto do Inferno do que uma prostituta. É claro, porém, que é melhor não ser nenhum dos dois”.

Lemos as Escrituras e aprendemos que Jesus preocupou-se pouco ou nada com quem dormia com quem. Preocupou-se antes de tudo, com todo o vigor e de todas as formas possíveis, em nos mostrar através de parábolas, episódios concretos e dando exemplos simples, que não devemos, não precisamos, nem temos de julgar o comportamento moral ou ético uns aos outros. Jesus veio libertar-nos desse fardo, dessa tarefa do julgamento, que obviamente não é humana e que a História e outras culturas e religiões nos têm mostrado o quão desumana pode ser. Para julgar o que quer que se seja – que não pertença ao âmbito da justiça de César – está cá Ele. A nós, assiste-nos a simples tarefa de acolher e respeitar. Amar o próximo.

Os jovens, ao afastarem-se da Igreja passam a ter de enfrentar este mundo complexo sozinhos, sem Deus, apenas e só porque na sua inocente ignorância não se acham dignos de entrarem numa Igreja.

A moral sexual. A preparação do Sínodo, em que pela primeira vez todos os batizados podem e devem participar, vai certamente revelar aos Bispos que um dos grandes fossos que separa os jovens da Igreja, a educação cristã da educação que os pais e as comunidades dão aos seus filhos, é a moral sexual. Aquilo que tanto baralha os jovens casais, os nossos filhos, são as diferentes propostas, os diferentes mundos por onde andam e com quem convivem. Os nossos noivos vivem quase todos em união de facto, os namorados não são castos, a homossexualidade não é tabu e em cada ano que passa há mais divórcios que casamentos.

Como conciliar tudo isto como a vida das paróquias, dentro dos movimentos ou nas comunidades cristãs. Como podem sentir-se os nossos filhos e jovens parte da Igreja quando lhes dizem que vivem em pecado, que a Igreja é para os puros e quando a maioria nem faz ideia o significado do pecado e do arrependimento, da castidade como virtude cristã, ou da diferença entre uma proposta feita pela Igreja e de uma condição para pertencer à Igreja? Num mundo em que a sexualidade é uma banalidade cedo demais, em que a complexidade desta dimensão na vida dos jovens os torna vulneráveis, sem critério e desorientados, a existência da dimensão espiritual no seu crescimento é uma urgência. E o Cristianismo, mais do que nunca, é a resposta. Só precisamos de saber acolher em vez de escolher.

A gravidade de tudo isto, deste fosso, não é fundamentalmente para a Igreja em si, enquanto instituição, e para a sua crise de fiéis – como se de uma crise de sócios ou de militantes se tratasse – , mas sim, para os jovens. Os jovens, ao afastarem-se da Igreja passam a ter de enfrentar este mundo complexo sozinhos, sem Deus, apenas e só porque na sua inocente ignorância não se acham dignos de entrarem numa Igreja. Sim, os nossos Bispos têm uma gigantesca tarefa pela frente.

Jesus estava a desenhar no chão, continuava pacientemente à espera que aqueles homens decidissem o que fazer com a mulher apanhada em adultério: se a matavam pelo seu comportamento imoral ou se a deixavam viver. Só lhes fez uma pergunta e deixou-os com as suas consciências. Até que um a um acabaram por deixar cair as pedras.

São 14, as Obras de Misericórdia: sete espirituais e sete corporais. Se cada cristão soubesse e praticasse metade delas todos os dias, mais acolhíamos e menos excluíamos.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.