O condimento do tempo

Aprender que tudo tem um tempo e que todos precisamos de tempo é a primeira lição para fazer do tempo um mestre e não uma arma. Pois apressar o tempo pode ser uma exigência violenta.

Todos gostamos de um bom cozinhado.

Todos nós temos uma referência daquele prato, que só aquela pessoa sabe fazer e que por isso nos traz um sentimento de carinho, uma saudade gravada no tempo, pelo momento maravilhoso de afeto e de espera que aquele cozinhado nos pediu.

Normalmente, tal prato pede dedicação e bravura à cozinheira ou cozinheiro, que se aventurem pelos mares gastronómicos.

Um prato desta magnitude e significado poderia ser um delicioso cachaço de porco cozinhado a baixa temperatura durante 12 horas, ou a tentativa de atingir o ponto pérola numa calda de açúcar, ou até mesmo, um doce do tempo das Avós, que para ser dominado na perfeição, não usa da batedeira, mas do próprio movimento circular do pulso, para atingir o seu estado de perfeição.

Este prato é manjar maturado, cozinhado e preparado durante horas e horas a fio. É alimento que pede tempo, que pede repouso, que nos pede para aguardarmos pelo momento ideal, para que este atinja a sua perfeição: o sonho para o qual foi concebido.

Eu diria que um prato destes, não é de louvar pela sua essência deliciosa e pelos seus aromas viajados, mas pela perseverança de quem o cozinha, pois afinal… não é qualquer pessoa que está disposta a esperar.

Imagino-me por vezes a tentar conduzir tal empreitada: a tentar cozinhar, por exemplo, o cachaço de porco cozinhado a baixa temperatura durante 12 horas.

Quando faço este exercício de imaginação, fico tão frustrada ou até ansiosa com o tempo de espera necessário para atingir aquele objetivo final tão desejado que, na minha própria imaginação, vejo-me a rodar o botão das temperaturas, aumentando uns “razoáveis” 100 graus.

Nunca chego a queimar o cachaço de porco – afinal, eu sou impaciente, não inconsciente – mas este não atinge o seu ponto, não fica tenro e suculento, fica rijo e exigente (pois, para o cortar, este passa a exigir uma faca excecionalmente bem afiada) e, deste modo, o bom alimento é desperdiçado.

Penso que, de certa maneira, a nossa relação com o tempo necessário ao crescimento é semelhante à relação da maioria de nós com a cozedura deste prato: desejamos muito algo, atingir um certo objetivo ou até ser de uma certa maneira, mas não estamos dispostos a dar o tempo necessário para que isso aconteça.

Penso que, de certa maneira, a nossa relação com o tempo necessário ao crescimento é semelhante à relação da maioria de nós com a cozedura deste prato: desejamos muito algo, atingir um certo objetivo ou até ser de uma certa maneira, mas não estamos dispostos a dar o tempo necessário para que isso aconteça.

Milan Kundera, no seu livro intitulado “A Lentidão”, escreve a seguinte frase: “Quando as coisas acontecem depressa de mais, ninguém pode ter a certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo”.

Crescer sem tempo é crescer segmentado, é não ser um ser inteiro, uno. É crescer como um composto de fragmentos de sentimentos, memórias, lições, relações, que não têm cola que os una ou fio condutor que os oriente. É ser um conjunto de coisas, sendo mais coisas, do que conjunto.

Se quero crescer, ser uma boa pessoa, ser a pessoa com quem Deus sonhou, mas não dou o tempo necessário a esse crescimento, tempo para que eu atinja esse meu ponto pérola, de maturidade (que é sempre diferente de uns para os outros), como posso esperar chegar lá?

Se exijo crescer aqui e agora, mas não aprendo a fazê-lo, pois não dei tempo a que se revelassem as lições de acontecimentos passados, nem que nascessem sonhos verdadeiros para o futuro – nem que se saboreasse o presente, agradecendo as graças recebidas – como posso esperar crescer íntegra, sem ressentimentos, agradecida e encontrada?

Se não me dou tempo para conhecer o mundo, o outro e até a mim mesma, como posso esperar, que mesmo tendo crescido, eu saiba reconhecer tal crescimento, já que não me dei tempo suficiente para o fazer com calma e tranquilidade, aprendendo a escolher o que devo guardar no coração?

E deixo uma última questão: se não me dou tempo a mim mesma para crescer, saberei dar esse tempo aos outros? Ou faço do tempo uma exigência violenta para que o outro cresça, sem saber o que crescer implica, ou sem aproveitar a bonita caminhada que representa este crescimento?

Crescer sem tempo é querer antecipar o tempo de cozedura de um cachaço de porco cozinhado a baixa temperatura durante 12 horas: o alimento tem boa essência mas, sem tempo para atingir a sua maturidade, acaba sendo desperdiçado, não por se ter tornado mau alimento, mas por não ter dado o tempo necessário a que atinja a melhor versão de si mesmo.

Aprender que tudo tem um tempo e que todos precisamos de tempo é a primeira lição para fazer do tempo um mestre e não uma arma. Pois apressar o tempo pode ser uma exigência violenta. Mas dar tempo ao tempo, dar tempo a que nós e os outros possamos crescer com serenidade, permitindo que Deus se manifeste maravilhosamente na nossa vida, pode vir a dar como fruto um jantar sereno, com um prato principal cujos sabores estão tão bem trabalhados e fundidos que se tornam também alimento de ânimo para todos aqueles que precisarem, atingindo assim o propósito para o qual foi feito: dando vida a quem o rodeia.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.