Educação e Saúde: Duas faces da mesma moeda?

Num momento em que são notórios os desafios à nossa adaptação, é necessário sublinhar o papel da Educação na promoção da saúde e em particular da saúde mental.

A educação tem um papel central no desenvolvimento das sociedades. E são inúmeros os estudos que a relacionam com diversos indicadores de qualidade de vida. Quase que independentemente do modelo teórico, maior nível de educação encontra-se associado a diversos benefícios pessoais e sociais, desde a saúde, emprego, satisfação com a vida, etc. E tem sido notável o progresso ao nível da educação e da qualificação, resultado do investimento dos países, das suas políticas e dos seus atores.

Poder-se-ia assumir que os progressos nos permitiam descansar sobre o trabalho realizado e perspetivar um futuro mais tranquilo. Mas nem por isso… Apesar dos progressos ao nível da qualificação, que têm ficado evidentes nos estudos PISA, EUROSTAT, ou outros, indicadores diversos mostram desafios significativos. Estimativas da Organização Mundial de Saúde, de 2020, referem que sete das 10 principais causas de morte são doenças não comunicáveis, representando mais de 55% do número de mortes a nível global. Naturalmente que estes indicadores variam de país para país, sendo tendencialmente superiores nos países ditos mais ricos e com maior nível de educação, o que sublinha a necessidade de repensar políticas e estratégias de prevenção e promoção da saúde.

Naturalmente que concorrem para esta realidade fatores biológicos e ambientais, mas também os fatores psicossociais têm um papel significativo, nomeadamente os comportamentos e estilos de vida. E, também aqui, numerosos estudos sublinham o papel do estilo de vida na morbilidade e mortalidade, em particular, o consumo de substâncias, o regime alimentar, o exercício físico, ou falta dele, ou o padrão de sono desapropriado.

Estimativas da Organização Mundial de Saúde, de 2020, referem que sete das 10 principais causas de morte são doenças não comunicáveis, representando mais de 55% do número de mortes a nível global

O consumo de substâncias, em particular do tabaco e do álcool, é um dos fatores de risco mais citados. O álcool, a título de exemplo, é responsável por cerca de três milhões de mortes por ano, a nível global. Portugal tem uma das taxas de consumo mais elevadas per capita e com uma tendência de subida, ao contrário do que tem acontecido com o consumo de tabaco. As políticas restritivas em relação ao tabaco, que não foram acompanhadas tão de perto no caso do álcool, coincidem temporalmente com um aumento do consumo de canábis. Uma substância que é apresentada como “natural” e, portanto, inofensiva, tem sido consumida por um número crescente de adolescentes e jovens. Percebida como uma substância de baixo risco, apesar de ter aumentado de forma expressiva a percentagem de THC, é responsável por crescentes complicações em termos de saúde mental, entradas em urgência hospitalar, sendo também associada, seja como causa ou fator de risco, para situações de morte súbita.

Também ao nível da obesidade as estatísticas não são muito famosas. Estima-se uma prevalência de obesidade ou pré-obesidade de quase 60% em Portugal, com uma tendência de crescimento em particular junto dos mais jovens. Associada à obesidade, são conhecidos os problemas de hipertensão e de inatividade física. Estudos internacionais realçam que aproximadamente 80% dos adolescentes não tenham um nível de atividade física suficiente, ao mesmo tempo que se regista um nível preocupante de atividade recreativa frente aos écrans. O uso de redes sociais e de jogos, que se sabe, em casos extremos, poder assumir manifestações comparáveis às dependências de substâncias, na ponta dos dedos, parecem muitas vezes associados a ciclos de sono mais curtos e com pior qualidade.

Indicadores relevam a importância de uma ação concertada para a prevenção e promoção da saúde no contexto educativo. Sabemos que a escola é muitas vezes chamada a remediar ou a prevenir problemas que a sociedade, por si, não consegue resolver. Em contexto pandémico, seria tão fácil como simplista, exigir da escola um maior esforço na prevenção e na promoção da saúde. Contudo, já antes da pandemia, os indicadores de saúde exigiam uma atenção particular. Não ocorrendo necessariamente em contexto escolar, a maioria destes comportamentos ou estilos de vida iniciam, ou são já notórios, durante a idade escolar.

O álcool, a título de exemplo, é responsável por cerca de três milhões de mortes por ano, a nível global. Portugal tem uma das taxas de consumo mais elevadas per capita e com uma tendência de subida, ao contrário do que tem acontecido com o consumo de tabaco.

Assumindo-se que a promoção da saúde não é uma capacidade ou competência específica dos serviços de saúde, esta pode ser promovida ao longo da vida e na interação entre vários sectores da sociedade. A educação pode ter aqui um papel essencial, em particular junto dos mais novos, mas também em situações de aprendizagem ao longo da vida. Baseando-nos numa das definições clássicas de saúde, enquanto o “estado de completo de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (World Health Organization [WHO], 1948, p. 1), percebemos como pode ser promovido em contexto educativo e como a Escola pode ter um papel importante na sua promoção. Mais do que detetar ou evitar uma doença física, como era associado tradicionalmente, define-se pela positiva e inclui as dimensões mental e social, algo assinalável na época e que ainda hoje se mantém necessário recordar. Desse modo, a saúde é vista como um meio, desde logo para a participação, o envolvimento, o desempenho e a realização da pessoa. E é tão necessária na escola como em todos os outros contextos de vida.

Sendo um contexto praticamente universal, com boas condições para a implementação de programas e intervenções, sistémicas e apropriadas ao nível desenvolvimental dos estudantes, as escolas apresentam-se como contextos privilegiados para o desenvolvimento humano, das capacidades cognitivas e do desenvolvimento socio-emocional. Ao longo das últimas décadas tem sido desenvolvidas e testadas intervenções, apresentados guidelines para a sua implementação, assim como criadas oportunidades de formação para profissionais. Respeitando projetos educativos, envolvendo diferentes intervenientes, somando recursos e vontades, importa considerar o contexto educativo como central na promoção da saúde.

As estatísticas antes apresentadas sublinham a necessidade de reforço destas medidas para o cumprimento pleno dos objetivos do sistema educativo. Num momento em que são notórios os desafios à nossa adaptação, é necessário sublinhar o papel da Educação na promoção da saúde e em particular da saúde mental. Com os desenvolvimentos tecnológicos e o conhecimento crescente sobre a aprendizagem, e de como pode ser promovida, importa colocar em prática esse conhecimento para o desenvolvimento integral dos estudantes. E sem saúde, física e mental, é mais difícil cumprir as finalidades da educação.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.