A origem das coisas

Se por um lado gosto desta inocência de pensar como uma criança e aceitar que tudo vem de Deus, por outro lado, tenho a certeza de que as interrogações que por vezes me assaltam são bons pontos de partida para uma conversa ou reflexão.

– Oh mãe… antes de tudo existir, Deus estava sozinho?

Quando ouvi esta pergunta virei-me para trás, e o meu irmão mais novo, João, de apenas seis anos, olhava para nós enquanto fazíamos o jantar. A minha mãe, apanhada de surpresa com esta intervenção, respondeu muito naturalmente:

– Sim.

Virei-me para a frente e continuei a mexer o refogado que estava ao lume ainda a pensar na pergunta que tinha acabado de ouvir. Sem me dar muito tempo para aprofundar o tema na minha cabeça, o João interveio novamente:

– Então, antes de tudo existir, a comida era toda branca?

– Pois… Talvez… – Respondeu novamente a minha mãe.

Ficámos uns segundos em silêncio, ainda a tentar entender a sua linha de raciocínio, mas ele ajudou-nos a concluí-la:

– Então Deus escolheu mesmo bem as cores dos alimentos. Já imaginou se Deus tivesse escolhido o azul para os cogumelos?! – E saiu da cozinha.

Cruzei o olhar com a minha mãe e, ainda surpreendidas, ficámos ali a pensar e a conversar sobre de onde viriam estas reflexões, algo teológicas, que ele nos trazia durante as férias. De facto, nunca me tinha ocorrido pensar na origem das cores dos alimentos, e para ser sincera, talvez não as associasse de imediato a Deus. Se a pergunta me tivesse sido feita, provavelmente iria recorrer ao que tinha aprendido nas aulas de biologia, ou até mesmo de geologia – estou a pensar em como a composição dos solos poderia influenciar a cor de um cogumelo -, para lhe dar uma resposta tão certa quanto possível e, claro, adaptada a uma criança da sua idade.

O João sempre foi uma criança com umas saídas inesperadas e engraçadas, mas nessa semana devia estar especialmente interessado em encontrar as respostas para as suas inquietações.

O João sempre foi uma criança com umas saídas inesperadas e engraçadas, mas nessa semana devia estar especialmente interessado em encontrar as respostas para as suas inquietações. Terão passado dois ou três dias quando uma nova observação surgiu:

– Mãe… Deus, ou Jesus, inventou mesmo bem o nome das coisas. – Apontando para o candeeiro de teto em cima da mesa da sala de jantar, continuou: – Já viu que este candeeiro parece mesmo um candeeiro?! Não fazia sentido dizer “olha este armário”.

Perguntava-me de onde viriam estas dúvidas e observações que ele andava a partilhar ultimamente. Na verdade, o João tem apenas seis anos e, nesta idade, é normal que tenha curiosidade em querer saber e perceber a origem das coisas. O facto de colocar Deus no centro de tudo o que está à sua volta e do seu dia-a-dia, e de O encontrar como resposta para muitas das suas perguntas, deixa-me a pensar na simplicidade e, principalmente, na profundidade da sua fé. Às vezes gostava de ter estas respostas prontas às minhas inquietações, de ter esta certeza imediata e absoluta de saber Quem está por detrás de tudo.

O João entrou agora para o primeiro ano. Nestes primeiros anos de escola irá aprender as letras e os números, a ler, a escrever, a contar…, mas daqui uns anos irá descobrir que há outras respostas possíveis para as suas questões sobre a origem e os nomes das coisas. Lembro-me perfeitamente que, das primeiras coisas que estudei no sétimo ano foi a origem do universo. Na altura, ao ouvir a teoria do Big Bang fiquei confusa… Afinal não tinha Deus criado o Universo em sete dias?! Nessa altura levei o tema para a catequese e falámos sobre as analogias das histórias da Bíblia e de como as interpretar à luz da ciência.

Se por um lado gosto desta inocência de pensar como uma criança e aceitar que tudo vem de Deus, por outro lado, tenho a certeza de que as questões e interrogações que por vezes me assaltam são bons pontos de partida para uma conversa ou reflexão sobre alguns destes temas. Tens medo de morrer? As pessoas no Céu têm frio? Jesus é o nosso Salvador? Se estas são perguntas que ocupam lugar na cabeça do João, nesta idade, que outras estarão para vir?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.