Muito Espírito e pouco vinho…

Os Beatles, Stefan Zweig, Luís Galocha (belo nome, não?), Goethe et Le Greco... Todos foram inspirados pelo Pentecostes!

Os Beatles, Stefan Zweig, Luís Galocha (belo nome, não?), Goethe et Le Greco... Todos foram inspirados pelo Pentecostes!

1. Como mel para a boca

Funny fact! Os Beatles participavam numa emissão de rádio numa segunda-feira de Pentecostes – que os ingleses chamam Whit Monday. Depois de From Us to You, os quatro músicos começam a entoar, espontaneamente, um Whit Monday to You, para surpresa dos ouvintes.

Uma bela maneira de começar o dia…

https://www.youtube.com/watch?v=_jtmWyuMFrA


2. Um texto bíblico

Quando chegou o dia do Pentecostes, encontravam-se todos reunidos no mesmo lugar. De repente, ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde eles se encontravam. Viram então aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem. Ora, residiam em Jerusalém judeus piedosos provenientes de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou estupefacta, pois cada um os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam:

– Mas esses que estão a falar não são todos galileus? Que se passa, então, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia cirenaica, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses e árabes ouvimo-los anunciar, nas nossas línguas, as maravilhas de Deus!

Estavam todos assombrados e, sem saber o que pensar, diziam uns aos outros:

– Que significa isto?

Outros, por sua vez, diziam, troçando:

– Estão cheios de vinho doce.

Atos dos Apóstolos 2,1-13


3. O esclarecimento

Sabia que o Pentecostes era, na origem, uma celebração agrícola? Depois tornou-se uma festa religiosa judaica, no contexto da qual teve lugar um dos momentos fundadores do cristianismo.

 

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Anton Raphael Mengs, O Pentecostes (1765), Museu do Ermitage, São Petersburgo, Rússia

Para os curiosos que querem saber um pouco mais sobre o triplo significado do Pentecostes:

1. Sete semanas depois da Páscoa (pode fazer as contas!), o povo de Israel celebrava a “festa das semanas”, que marcava o fim da colheita do trigo. Depois de terem penado sob o calor, chegava o tempo da consolação e da alegria – como na altura das vindimas! É seguramente por isso que a multidão suspeitou que os Apóstolos estavam embriagados, “cheios de vinho doce”, como diz o texto…

2. Mais tarde, atribuiu-se um significado religioso à festa. O povo eleito transformou este dia no dia da comemoração do dom por excelência, muito além dos frutos da terra: o dom da Lei a Moisés no monte Sinai. Quando compreendemos a importância da Lei no judaísmo, podemos bem imaginar a importância deste dia…

3. É precisamente neste dia de festa que os discípulos reunidos em Jerusalém receberam o Espírito Santo. A festa do Pentecostes foi então enriquecida com um novo significado: além dos dons da terra e da Lei, é a festa do dom do Espírito!

A fé do povo eleito do antigo Testamento tem o seu fundamento na Lei escrita por Moisés em tábuas de pedra e permanentemente atualizada na vida dos crentes – a Nova Aliança tem o seu fundamento na lei interior, escrita no coração dos fiéis pelo Espírito Santo, o Sopro divino.

 

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El Greco (Doménikos Theotokópoulos), O Pentecostes (1600), Museu do Prado, Madrid, Espanha

O que é que há então a reter disto tudo?

Os primeiros cristãos, em Jerusalém, era praticamente todos judeus e estavam, por isso, profundamente impregnados pelo espírito das suas festas religiosas. Estavam também interessados em sublinhar a continuidade simbólica, ao mesmo que a novidade de Cristo. Esta é a razão pela qual, para ler corretamente o Novo Testamento, é absolutamente essencial conhecer bem o Antigo. Porque o Antigo Testamento oferece-nos não só o contexto no qual o Novo Testamento está enraizado, mas também a linguagem, isto é, as palavras, as imagens e os símbolos que os primeiros cristãos utilizaram para contar a história de Jesus Cristo.

 

Louis%20Galloche%20(ou%20%22Galocha%22%20para%20os%20amigos!)%2C%20O%20Pentecostes%20(s%C3%A9culo%20XVIII)%2C%20Museu%20das%20Belas-Artes%20Nantes%2C%20Fran%C3%A7a
Louis Galloche (ou "Galocha" para os amigos!), O Pentecostes (século XVIII), Museu das Belas-Artes Nantes, França

4. E ainda uma palavra final…

A possibilidade de um ser humano ser subitamente iluminado por um sentimento quase divino atravessa a história da filosofia e da literatura. Não se fala de inspiração por acaso… É, de fato, como se o dom do Espírito descesse sobre os seres humanos em determinados momentos. O genial Goethe, citado por Stefan Zweig, evoca as palavras inspiradas de certos seres humanos na hora da morte:

“No fim da vida, as ideias até aqui informes aparecem claramente ao espírito, erguem-se sobre os cumes do passado como génios brilhantes e alegres.”

Citado em Stefan Zweig, Marie-Antoinette (1932)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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