Magníficas surpresas em tempo de Natal

Deixe-se comover ao escutar Morten Lauridsen. Bento Espinoza, Gregório de Nazianzo e Victor Hugo entram em cena logo de seguida…

Deixe-se comover ao escutar Morten Lauridsen. Bento Espinoza, Gregório de Nazianzo e Victor Hugo entram em cena logo de seguida…

1. Como mel para a boca

O Natal é um tempo de graça e certas obras-de-arte têm o condão de o captar. Escutemos Morten Lauridsen, compositor americano contemporâneo: o seu O Magnum Mysterium é uma delícia. ♪ ♫

E eis aqui a tradução, em português, da letra:

“Ó grande mistério, e admirável sacramento, que os animais tenham visto o Senhor recém-nascido, deitado numa manjedoura! Abençoada Virgem, cujas entranhas mereceram carregar o Cristo Senhor. Aleluia!”

https://www.youtube.com/watch?v=Q7ch7uottHU


2. Um texto bíblico

Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.

Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.

Estes não nasceram de laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus.

E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco.

E nós contemplámos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade.

Evangelho segundo São João 1,11-14


3. O esclarecimento

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Bernardino Luini (1482-1532), A Sagrada Família (c. 1510), Museu do Louvre, Paris, França.

| O recém-nascido e os filósofos |

Eis uma das questão mais decisivas da história da Humanidade: quem é o menino que nasceu na manjedoura de Belém? Um grande homem, talvez um génio ou um sábio, ou o próprio Deus feito homem? São João, no seu evangelho, di-lo claramente: Ele é o Verbo, em grego, o “Logos”, a Inteligência ou a Palavra mesma de Deus!

Por exemplo, de acordo com Baruch (“Bento”) Espinoza, o famosíssimo filósofo judeu do século XVII (sabia que os seus antepassados eram portugueses?):

  • “Podemos dizer que a Sabedoria de Deus, isto é, uma sabedoria sobre-humana, encarnou em Cristo”

Mas, como bom racionalista, acrescenta o nosso autor:

“Quando certas Igrejas afirmam que Deus tomou forma humana, já disse que não sei o que pretendem com esta afirmação; e, para ser honesto, dizê-lo não me parece menos absurdo que afirmar que o círculo tomou a forma de um quadrado”.

Espinoza, Tratado Teológico-Político, n.º 108

A propósito de círculo e de quadrado, consideremos a rosácea ocidental da catedral de Notre-Dame em Paris. Uma leitura simbólica pode ajudar-nos a compreender o sentido:

O quadrado é um símbolo do espaço limitado, ao passo que o círculo representa o espaço sem limites (figura da perfeição sem limites de Deus).

O mistério da Encarnação é assim representado nessa inclusão do círculo ao centro do quadrado. Aí surge a Virgem que apresenta o Filho Jesus à cidade.

 

| Deus faz-se homem |

E eis a pedra de tropeço: como é que o Deus único e transcendente, puro Espírito, pode “encarnar”, isto é, tomar forma humana? É a revolução que celebramos no dia de Natal: Deus faz-se homem, um de nós, para que nós o recebamos e possamos assim tornar-nos filhos de Deus! Há seguramente motivo para dar a volta ao miolo…

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Richier Ligier (1500-1567), O menino Jesus deitado sobre a manjedoura (escultura em pedra), Museu do Louvre, Paris, França.

| Um luminoso paradoxo para os Padres da Igreja |

No século quarto, o debate acerca da Encarnação agitou a Igreja. Três grandes teólogos deram uma resposta belíssima. Viviam na Capadócia (atual Turquia), onde se tinham tornado uma espécie de “monges urbanos”. Aí pregaram a Palavra de Deus, fundaram escolas e hospitais e ofereceram uma belíssima meditação sobre esta “impensável” maravilha que é o Natal. São Gregório de Nazianzo era um dos três. Deixou-nos estas palavras:

“Também eu proclamarei a grandeza deste dia:

O Imaterial encarnou,

O Verbo fez-se carne,

O Invisível deu-se a ver,

O Eterno começou a existir,

O Filho de Deus tornou-se Filho do homem.

É Jesus Cristo, sempre o mesmo,

Ontem, hoje e pelos séculos dos séculos. (…)

Venera o nascimento que te liberta dos laços do mal,

Honra a pequena Belém que te devolve ao paraíso.

Reverencia este presépio, porque graças a ele, tu, que estavas privado de entendimento (de logos!), recebes como alimento a Inteligência divina, o próprio Logos divino”

Gregório de Nazianzo, Discurso 38 (Sobre o Natal)

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Giotto di Bondone (vers 1267-1337), História do Cristo : a Natividade e a anunciação aos pastores (1304), Capela dos Scrovegni, Pádua, Itália.

4. E ainda uma palavra final…

A equipa da versão portuguesa do PRIXM (Paulo Duarte sj, Frederico Cardoso Lemos sj, João de Brito sj e Francisco Martins sj) deseja-lhe um Santo Natal e espera que, na noite da consoada, possa fazer a experiência que Victor Hugo tão bem soube descrever:

«Quando, na Páscoa ou no Natal, ao cair da noite, a igreja se enche de passos confusos e da luz brilhante dos círios… »

Victor Hugo, « Date Lilia », Les chants du crépuscule, 1835

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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