Bem-Aventuranças: forte fragilidade

Nietzsche encurralado entre Cristo, Jean Vanier e Gandhi: um combate de peso para o último PRIXM desta serie. O PRIXM regressa em setembro.

Nietzsche encurralado entre Cristo, Jean Vanier e Gandhi: um combate de peso para o último PRIXM desta serie. O PRIXM regressa em setembro.

1. Como mel para a boca

Na sua autobiografia, Gandhi afirma que o Sermão da Montanha lhe chegou ao mais profundo do coração… Vale a pena, por isso, entrar no coração de Gandhi e ler este texto que revela também o coração de Deus!

Para começar, descubra as Bem-Aventuranças cantadas, em duas versões à escolha:

 Uma clássica e litúrgica (da Igreja Ortodoxa):

Outra, mais moderna (em inglês): 

 


   2. O texto bíblico

“Felicidade” ou “Bem-Aventurança”: o texto grego utiliza um termo genérico, mas o contexto permite afirmar que a fonte desta felicidade é o próprio Deus, que a “bem-aventurança” é Ele mesmo!.

Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:
«Felizes os pobres em espírito, 
porque deles é o Reino do Céu.
Felizes os que choram, 
porque serão consolados.
Felizes os mansos, 
porque possuirão a terra. 
Felizes os que têm fome e sede de justiça, 
porque serão saciados.
Felizes os misericordiosos, 
porque alcançarão misericórdia.
Felizes os puros de coração, 
porque verão a Deus.
Felizes os pacificadores, 
porque serão chamados filhos de Deus.
Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, 
porque deles é o Reino do Céu.
Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.»
(Mt 5, 1-12)


3. O esclarecimento 

No livro A Genealogia da Moral, Friedrich Nietzsche (filósofo alemão ateu, 1844-1900) ataca os cristãos, criticando um dos textos fundantes da nossa fé, As Bem-Aventuranças, que hoje apresentamos. Segundo o autor, o texto preconizaria uma moral da renúncia e uma exaltação da fraqueza que eram para ele insuportáveis:

 

 

“Quando os oprimidos (…) se animam uns aos outros, com a vingativa astúcia da impotência:

«Sejamos diferentes dos maus, sejamos bons! E bom é todo aquele que não ultraja, que não fere ninguém, que não agride nem faz acertos de contas,que remete a Deus a vingança, que se mantém na sombra, como nós: que foge de toda a maldade e que, de uma forma geral, exige pouco da vida, como nós, os pacientes, humildes, justos»,

– este discurso, aos ouvidos de alguém frio e imparcial, soa simplesmente como:

«nós, os fracos, somos realmente fracos; e não nos convém fazer nada que não tenhamos realmente a força para fazer»;

Porém, esta constatação asséptica, esta sabedoria elementar – de que até os insetos são capazes (quando se fazem de mortos para não “fazer nada”, em caso de perigo) -, transformou-se na aparência pomposa da virtude da renúncia, do silêncio, da paciência… como se a fraqueza dos fracos – isto é, a sua essência, a sua atividade, a sua realidade única, inevitável, irremovível –  seu ser, sua atividade, a sua inevitável, irremovível realidade – como se esta fraqueza fosse um ato deliberado, um exercício de liberdade, uma escolha, um feito glorioso, um ato meritório.”

(Capítulo 1, “Bom e mau, bom e nefasto”, nº 13)

Nietzsche leva a cabo, com estas palavras, um dos maiores ataques contra a sabedoria bíblica: a fraqueza é insuportável, porque o homem é feito para ser sólido, para mostrar a sua força e aproveitar o seu poder. Qualquer outra moral não passaria de um logro, de uma mentira, da cobardia de um homem incapaz de ser forte.


4. Uma palavra final

Para responder a esta acusação ninguém melhor que Jean Vanier, fundador da comunidade A Arca, morto recentemente:

 

«A nossa natureza é feita assim: é necessário que nos adentremos, mais cedo ou mais tarde, no mundo da fragilidade. Nascemos frágeis; morremos frágeis. Seria inútil tentar atenuar esta realidade tão eminentemente humana. Existe em nós uma fragilidade original que nunca se cura. Até ao fim, vivemos com ela.
Do alto dos meus 90 anos, faço esta experiência todos os dias. Posso dizer que chega um momento em que nos sentimos cada vez mais frágeis. E vou confiar-te uma coisa: este momento não é mais triste do que os outros, porque é o momento do encontro. É assim que percebemos que precisamos dos outros. Descobrimos o valor e a beleza da sua presença. O verdadeiro milagre, em qualquer idade, é de nos aceitarmos como somos. O que nos cura é sermos nós mesmos, hoje. Rezo para que possas reconhecer todos estes pequenos milagres quotidianos, que dão às nossas fragilidades um sabor de felicidade verdadeira”.

(Jean Vanier de um artigo da Revista Panorama, maio/2018)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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