Na sua intenção universal para abril de 2018, o Papa Francisco pede a oração dos fiéis «para que os responsáveis pelo planeamento e pela gestão da economia tenham a coragem de rejeitar uma economia da exclusão e saibam abrir novos caminhos». O Santo Padre traz de novo para a ordem do dia a necessidade, já explicitada na Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho” de 2013, de «dizer não a uma economia de exclusão e de desigualdade social. Esta economia mata». No vídeo que acompanha este convite, o Papa afirma que a economia não pode pretender apenas aumentar a rentabilidade, reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos; deve colocar em primeiro lugar a pessoa humana e fazer todo o possível para assegurar que haja oportunidades de trabalho digno para todos.
O problema é grave e premente. No mundo ocidental de hoje observam-se níveis persistentes de desemprego, sub-emprego e desencorajamento muito elevados, a par do aumento da precariedade nos vínculos laborais; uma acentuada deterioração do Estado Social, que deveria sobretudo proteger os menos favorecidos; aumento das desigualdades de rendimento e riqueza, e estagnação do poder de compra da maioria da população; forte sobrecarga de muitos trabalhadores, que por medo de perder o emprego sacrificam a sua qualidade de vida; desproporção entre as ambições materiais e as possibilidades efectivas de consumo de grande parte da população, habituada a um hiper-consumismo.
Entre as múltiplas e complexas causas desta situação, duas têm sido consideradas centrais: o progresso técnico (automação dos processos de produção e de comercialização) e a globalização (concorrência de produtos baratos do “novo mundo”); ambos destroem empregos pouco qualificados e pressionam os empregados para aceitar precariedades, menores rendimentos e sobrecarga de trabalho.
Convém recordar que, se a globalização aumentou as desigualdades e a exclusão no mundo “desenvolvido”, também retirou da pobreza milhões de pessoas no mundo “subdesenvolvido”, o que em si é muito bom. É claro que o “dumping social” que ainda hoje existe significa que falta justiça no comércio global: não apenas implica pobreza e exclusão no mundo ocidental, como não distribui justamente os ganhos de riqueza no resto do mundo. A desigualdade entre países tem diminuído, mas a desigualdade dentro de cada país tem aumentado.
Mas se “esta economia mata”, que economia nos manteria vivos?
Em rigor, penso que não se sabe como criar hoje uma economia verdadeiramente justa. O meu contributo para uma resposta a esta questão baseia-se em três elementos: o que julgo que sabemos sobre o futuro; o que julgo que sabemos de economia; e as minhas convicções doutrinárias.
1. O progresso técnico é inexorável e está a mudar o mundo a uma velocidade vertiginosa, em sentidos que não é possível prever. Parece certo que as tecnologias continuarão a mudar muito rapidamente, destruindo mas também criando – continuamente e a um ritmo brutal – postos de trabalho, empresas, produtos, hábitos de vida. Ora, se a realidade é precária, as instituições devem promover a flexibilidade, facilitar a adaptação às novas realidades: não me parece possível vencer problemas decorrentes de mudanças ultra-rápidas através de mecanismos de rigidificação. Como célebremente escreveu o P. Arrupe, “o mundo avança mesmo sem nós; de nós depende que avance connosco!”.
2. Julgo saber da ciência económica que a liberdade de propriedade e iniciativa, e a liberdade de concorrência, são a melhor forma de aumentar o bem-estar social. Evidentemente, os mercados têm muitas falhas, que exigem regulação. Por exemplo, no mercado de trabalho, é importante defender os trabalhadores mais frágeis, e evitar injustiças entre trabalhadores com contratos a termo e trabalhadores com contratos sem termo. No comércio internacional é crucial promover a justiça – o que requer instituições globais mais eficazes do que as de hoje. Mas a rigidificação e o proteccionismo diminuem o bem-estar global. Sobretudo no contexto previsível de rápida evolução tecnológica.
3. Não defendo, contudo, um liberalismo extremo, insensível aos custos sociais associados às constantes mutações técnicas e económicas. Aproximo-me do liberalismo conservador: não questionando a propriedade privada e a concorrência, vejo com relutância a mudança institucional e valorizo a tradição e, entre os extremos indivíduo-Estado, vejo um lugar crucial para as instituições sociais intermédias: família, Igreja, associações de toda a ordem. É sobretudo aí que o indivíduo passa a pessoa. Claro que quando paga impostos e participa nas escolhas sociais, cada indivíduo é pessoa; contudo, ao nível dos grupos intermédios as possibilidades de relação são mais profundas e ricas, e é portanto maior o leque de soluções para os problemas sócio-económicos de cada um e de todos.
Em 2015, num interessante texto que pode ser lido aqui, Manuela Silva enunciava quatro caminhos para se passar duma economia de exclusão a uma economia de comunhão: reformar a empresa; dinamizar as autarquias locais; reforçar e reorientar o papel do Estado; e alterar o paradigma do pensamento económico dominante.
Quanto ao pensamento económico, apelava a “uma nova consciência individual e coletiva alicerçada em valores éticos, com a correspondente mudança de atitudes e comportamentos, estilos de vida, relações humanas e ambientais.” Deixando de lado a confusão entre economia normativa – descrição de como deveria ser o funcionamento da economia – e economia positiva – descrição do funcionamento da economia – concordo que combater a economia da exclusão implica novas consciências individuais e colectivas.
Será necessário repensar o Estado, aproximando-o das pessoas, usando melhor os seus recursos para promover o investimento produtivo e, sobretudo, a educação. Esta parece-me ser a questão central: só pessoas bem formadas estarão menos propensas à exclusão; só pessoas educadas de outra forma se sentirão mais felizes com maior parcimónia e maior respeito pelos equilíbrios ecológicos e sociais; e só um sistema educativo humanizado gerará decisores políticos, empresariais e sociais mais sensíveis à justiça. Não me parece que, dada a escassez de recursos (sobretudo no actual contexto demográfico) se possa reforçar o Estado social. Parece-me crucial, sim, que se reforce o papel das instituições intermédias no apoio social e acentuaria o papel de outras para além das instituições de poder local: a Igreja – continuando a tradição de séculos –, a família – defendendo-a das inúmeras ameaças de que é alvo – e todo o tipo de associações – com destaque para as de cariz local e de voluntariado.
Concordo sobretudo com o que Manuela Silva escrevia quando se questionava qual a responsabilidade para os cristãos e as comunidades eclesiais: cabe-nos fazer a diferença nos locais em que estamos inseridos, tentando sempre contribuir para a construção do reino de Deus, um reino de Verdade, Justiça e Amor.
O desafio é que cada cristão integre fé e vida no seu dia a dia. Que cada um – seja a gerir a sua empresa, a coordenar uma equipa de trabalho, a cumprir as suas tarefas individuais – construa relações humanas que criem futuro para todos. Que cada um se empenhe mais em organizações intermédias – sobretudo de apoio social – e na vida política, lutando por uma maior humanização e justiça da sociedade e da economia.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.