Portugal acorda nesta segunda-feira 7 de outubro 2019 sem saber bem se é um país radicalmente transformado ou se tudo permanece na mesma. Por um lado, o governo em funções é o vencedor inequívoco do ato eleitoral e prepara-se para prosseguir o seu caminho, esperando-se pouca novidade no rumo político do país. Por outro, somos surpreendidos pela irrupção dos chamados “pequenos partidos”, que vêm alterar significativamente o rosto do Parlamento que conta agora com nove forças políticas representadas, três delas pela primeira vez.
Não é este o lugar para uma análise política dos resultados eleitorais, mas atrevo-me a fazer algumas considerações que desejam ser um contributo para ler (criticamente) o momento que vivemos enquanto sociedade e orientar a nossa ação para o futuro imediato.
Numa noite eleitoral, as palavras mais repetidas por jornalistas, comentadores e políticos são “vitória” e “derrota” (muitas vezes acompanhadas de sonantes adjetivos). Curiosamente, e apesar das rituais “felicitações democráticas” ao vencedor, poucas são as vozes que assumem uma frontal autocrítica: mesmo quem não se atreve a invocar para si a palavra “vitória” tem menos pudor em falar da “derrota” alheia. Mais grave, alguns dos discursos proferidos (sobretudo por “vencidos”) parecem transmitir uma ideia de superioridade moral relativamente à escolha dos eleitores: se votam em nós, são a voz soberana da vontade popular, caso contrário, são expressão de retrocesso social, para não dizer de opressão. Talvez o mais difícil da democracia seja mesmo aceitar que o outro pode pensar de forma diferente! Acolher o resultado de uma eleição exige, portanto, sempre, um esforço de abertura e empatia para escutar os anseios e as esperanças que cada voto expressa.
Tal como a fé – parafraseando o Papa Francisco – também a democracia se transmite, não com proselitismo, mas pelo testemunho que fascina e atrai!
Uma das vozes mais difíceis de escutar é a dos que não participaram no ato eleitoral, os 4.250.000 portugueses que pelas mais diversas razões se abstiveram (dados para o território nacional), mas também a dos 130.000 que deixaram em branco um boletim com 21 possibilidades de escolha! Apesar dos novos partidos – alguns dos quais agora obtêm representação parlamentar – surgirem com o propósito de combater a abstenção, alargando o leque de escolha dos eleitores e invocando uma “nova política”, o certo é que tal não se traduz num verdadeiro aumento da participação. Tanto vencedores como vencidos têm o dever de levar a sério este aparente desinteresse eleitoral, procurando identificar as suas causas e motivações (sempre no respeito pela escolha livre de quem decide não votar) e descobrindo os meios para motivar a participação ativa. Tal como a fé – parafraseando o Papa Francisco – também a democracia se transmite, não com proselitismo, mas pelo testemunho que fascina e atrai!
É muito cedo para perceber o impacto que poderá ter a multiplicação dos partidos com assento parlamentar, e mais ainda para decretar a morte do bipolarismo PS/PSD que tem caracterizado o panorama político pós 25 de abril. No entanto, os resultados destas eleições traduzem uma “dispersão” de votos que não pode deixar de ser lida como um desejo do eleitorado de uma maior diversidade e por isso de um maior diálogo entre as forças políticas. Esperemos que novos e velhos, mais e menos numerosos, façam da Assembleia da República verdadeiramente a casa da democracia: lugar de debate sereno e construtivo, na procura conjunta do bem comum. Do lado de fora, aproveitemos para escutar vozes e estilos diferentes (renunciando à tentação das etiquetas fáceis) que, com certeza, enriqueceram o nosso olhar sobre o país, os problemas que o afligem e como enfrentá-los!
Nos próximos dias assistiremos à avalanche das análises aos resultados (ainda falta apurar os círculos da emigração) e às movimentações para a formação do novo governo. Do lado de fora da “arena”, compete a cada um de nós, quer nos sintamos vencedores, quer derrotados nestas eleições, continuar a “jogar o jogo” da democracia. Todos somos chamados a procurar, em conjunto, o bem comum, dialogando e debatendo, para que estas eleições não sejam um “deixar tudo na mesma”, nem nos deixemos iludir pela novidade. O bem comum é responsabilidade de todos, todos os dias!
E aos senhores deputados dizemos: acabou-se a festa (da democracia), agora, toca a trabalhar!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.