Não matemos a curiosidade

A curiosidade pode ser algo a cultivar com especial dedicação neste tempo de Advento, em que aprendemos a esperar e a dar espaço a Alguém que nos completará.

A curiosidade é uma capacidade inata do ser humano, que o faz explorar e aprender. Apesar de ter gostos e interesses que gosto de descobrir, não me considero uma pessoa particularmente curiosa – tenho demasiada facilidade em conformar-me e aceitar o que não sei ou não conheço. Talvez seja pelo desconforto que encontro na insatisfação de querer saber sempre mais ou pelo que me parecem formas pouco saudáveis de se ser curioso. Mas, ultimamente, com a ajuda do exemplo próximo de famílias que esperam novos bebés, tenho vindo a descobrir como a curiosidade, pelos seus efeitos, pode ser uma grande virtude – e tenho-me proposto trabalhá-la neste tempo de espera e expectativa que é o Advento.

“A curiosidade matou o gato”, diz o ditado popular. De facto, a curiosidade pode ser mal usada ou mal vivida. Pode traduzir-se numa cusquice mesquinha, de quem, por alguma razão, se quer distrair da própria vida e se refugia na dos outros e procura saber tudo sobre todos. Ou pode ser uma curiosidade apática e impermeável, de quem explora tudo, mas não se deixa tocar por nada. As coisas parecem perder significado e sabor, nada sacia e, por isso, tudo se vai tornando descartável quando perde a aparente novidade. Parece-me haver, ainda, a curiosidade imatura e desafiadora, de quem quer testar limites que sabe que, por alguma razão, não deve ou não pode ultrapassar. Nestes casos, sim, a curiosidade pode tirar vida.

Mas não matemos a curiosidade: pode ser muito libertadora e fecunda.

A curiosidade para aprender, interessando-me genuinamente pelo mundo à minha volta, pode ajudar-me a pensar melhor, a formar opiniões mais fundamentadas e a servir melhor o mundo naquilo que me compete.

A curiosidade para aprender, interessando-me genuinamente pelo mundo à minha volta, pode ajudar-me a pensar melhor, a formar opiniões mais fundamentadas e a servir melhor o mundo naquilo que me compete.

A curiosidade para perceber o que se passa em mim impede-me de me alhear do que vou sentindo, dos meus processos, do que me pode bloquear, e permite-me ir conhecendo os meus desejos mais profundos, onde Deus me fala.

A curiosidade em relação ao futuro pode tornar-me disponível para o mesmo e para que Deus me vá sonhando. Ajuda-me a desejar e procurar os próximos lugares, com esperança e sem a pressa de saltar capítulos importantes – porque, apesar do interesse para conhecer o final, vou desfrutando do caminho sempre surpreendente.

A curiosidade para conhecer pessoas pode tornar-me mais disponível. As relações alimentam-se da nossa vontade de escutar o outro, de aprender com ele, e a curiosidade, em perguntas que se desenrolam em grandes conversas, abre espaço para isso mesmo. É o que me faz querer descobrir a história do outro, como quem pisa terra sagrada, ajudando-me a largar preconceitos e a alargar o olhar. Abre-me à possibilidade de outra vida transformar a minha, aceitando a minha incompletude de forma positiva.

Parece-me, então, que a curiosidade pode ser algo a cultivar com especial dedicação neste tempo de Advento, em que aprendemos a esperar e a dar espaço a Alguém que nos completará.

Tenho reparado que a espera de um bebé desperta uma grande curiosidade e muitas perguntas: como será fisicamente? Que personalidade terá? Quais serão os seus sonhos e gostos? Como vai brincar, chorar, conversar? Qual será a primeira palavra, a primeira brincadeira? Como vai agir e reagir? Quem serão os seus amigos? Que novidades trará a sua vida à nossa? Há, num bebé, uma infinidade de possibilidades de sermos surpreendidos, um mistério que nos ultrapassa e que, por si só, aviva a hospitalidade. Há um fascínio latente na expectativa de ver alguém crescer e de crescer também com essa pessoa.

No Advento, não fingimos que esperamos um bebé novo, mas reconhecemos, com entusiasmo renovado, a novidade ilimitada do Deus que Se fez bebé e nos convida a crescer com Ele. Por isso, de todas as curiosidades que quero cultivar em mim, há, ainda, a curiosidade para conhecer Jesus – alimentar o encantamento e as perguntas sobre Ele. Então, talvez venha a descobrir que, entre as muitas maneiras de gerar vida, Deus também o pode fazer a partir do Seu olhar curioso sobre cada um e sobre o mundo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.