A 25 de novembro assinala-se o dia Internacional pela eliminação da violência contra as mulheres, estabelecido em 7 de fevereiro de 2000 pela resolução 54/134 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Os dias internacionais são usados pelas organizações como oportunidades de pedagogia cívica, e de sensibilização da sociedade e dos dirigentes para certos temas. São, ao mesmo tempo, momentos de celebração por aquilo que a humanidade conquistou em conjunto, num diálogo profícuo entre o passado e o futuro.
No que respeita à violência contra as mulheres e as meninas, também há caminho percorrido e muito dele feliz; mas como é grande o fosso entre latitudes e como está longe de ser um assunto resolvido!
Antes de tudo, porque as sociedades e os governos nem sempre reconhecem a urgência do assunto, porque é muitas vezes um problema invisível e silencioso, e porque tradições de séculos na forma como se veem as mulheres e as meninas resistem obstinadamente em mentalidades caducas.
São terríveis as situações que as mulheres e as meninas enfrentam relacionadas com o casamento infantil, violência sexual, escravidão e tráfico, mutilação genital, impedimento de acesso à educação, falta de condições de higiene menstrual, assédio no local de trabalho, entre outras.
São terríveis as situações que as mulheres e as meninas enfrentam relacionadas com o casamento infantil, violência sexual, escravidão e tráfico, mutilação genital, impedimento de acesso à educação, falta de condições de higiene menstrual, assédio no local de trabalho, entre outras. Estamos, em alguns destes exemplos, a falar de uma realidade aparentemente distante da nossa, mas não estamos a falar de um outro planeta. Aqui, no nosso país, na nossa Europa, acontecem violências que temos de rechaçar veementemente. E sem vergonha de falar sobre o tema e com coragem para escolher esta luta.
Muitos parques de estacionamento na Alemanha, na Áustria, em Itália, têm “Lugares para mulheres” (bem marcados, junto das saídas, dos elevadores, da casinha do vigilante). Não, não é um assunto para brincar, não é porque as mulheres não saibam encontrar o lugar ou estacionar o carro. É pelo facto de ser mais perigoso para uma mulher sair sozinha do que para um homem. No mesmo sentido, em várias localidades de Espanha, por exemplo, os autocarros noturnos permitem que as mulheres e os menores de idade saiam em qualquer lugar do percurso que fique mais próximo do destino, independentemente da existência de paragem. São gestos concretos que dão alternativas a quem as queira usar e que são um sinal de reconhecimento do problema. Haverá quem pense que é um exagero.
Quem somos? O que queremos fazer neste mundo nosso? Neste aqui e agora? Ignoramos a violência insidiosa e permanente dos pequenos gestos do medo?
Sim, do medo.
Façamos um exercício simples: pense em si, leitor, leitora, pense nos seus filhos e filhas, lembre-se da sua adolescência, decida a melhor hora para ir correr para um jardim público, phones nos ouvidos, planifique o regresso a casa no último metro de sexta-feira, sonhe com um interrail solitário no verão. Pense nisto, pergunte a um amigo e a uma amiga, converse sobre as diferenças. Uma pergunta mais: O que faz para evitar possíveis agressores quando anda sozinho/a de dia ou à noite, em caminhos ermos e escondidos?
Surpreendido com a pergunta? Não será certamente com surpresa que notará que só mulheres respondem sem hesitar com uma lista de estratagemas bem conhecidos de todas: “seguro nas chaves como eventual arma”, “finjo que vou a falar ao telemóvel”, “nunca vou correr sozinha à noite”, “protejo-me com a mochila dos roces indesejados nos transportes públicos”, “nunca vou de phones” (“noutras vezes estou com eles nos ouvidos para fazer que não ouço as “bocas” dos homens”), “estou sempre a mudar o percurso”, “paro a fingir atar os sapatos e perceber se aquele homem que vem lá atrás continua e passa de largo”, etc., etc., etc.
A violência contras as meninas e as mulheres existe no contexto de uma sociedade ainda muito machista, por vezes já quase impercetivelmente machista que nos faz esquecer que há muito a fazer nessa área.
Sim, agora a personagem é um homem, porque estes são os factos: os agressores são maioritariamente homens. E não, os homens não são todos culpados e sim, também há homens que são vítimas e mulheres que são violentas. Mas é preciso dizer sem medos: esses casos são as exceções. A violência contras as meninas e as mulheres existe no contexto de uma sociedade ainda muito machista, por vezes já quase impercetivelmente machista que nos faz esquecer que há muito a fazer nessa área.
O que fazer com tudo isto? O que fazer perante tudo isto? A resposta é direta e até simples: educar. Não é um momento mágico, não é uma solução imediata, mas é a única solução. Em consonância com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 (o quinto objetivo é a igualdade de género), articulando a ação e o debate no espaço público com as nossas reflexões no domínio familiar, pensando e agindo, cristãos empenhados na plena dignidade humana sem ses nem porques, temos de apostar na formação exigente, transversal, plurifacetada, corajosa, e cheia de esperança de que é possível sempre ser melhor.
Porque, afinal, os “lugares para mulheres” não são nos parques de estacionamento, mas quaisquer lugares que sejam também para os homens, o lugar de todos e para todos, lado a lado, fraternalmente juntos num mundo mais justo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.