Há Alguém a olhar por mim

Levo este desafio para o resto da minha vida: ser capaz de, em tempos de adversidade ou revolta, ter a força de acreditar que Alguém olha por mim e está a ver para além do que os meus olhos são capazes de alcançar.

Durante as férias do Natal li um livro que a minha mãe me tinha sugerido, O Príncipe e a Lavadeira, do Padre Nuno Tovar de Lemos, sj. No meio de tantas frases sublinhadas e destacadas (porque, se há livro com muitas frases que nos fazem pensar, este é, sem dúvida, um deles e aproveito a ocasião para o recomendar vivamente), uma que chamou particularmente a minha atenção foi «Alegra-te de Lhe teres sabido falar dos teus desejos e sentimentos, mas pede-Lhe perdão se achaste que, no fim, era Ele quem deveria fazer a tua vontade». Era capaz de citar mais umas dezenas de frases bonitas deste livro, mas não quero dar spoilers!

Fiz uma pausa na leitura desse capítulo quando li esta frase. Remeteu-me para o que tinha vivido há dois anos. Em 2021 estava no décimo segundo ano. O curso que queria seguir na faculdade era engenharia biomédica mas para ter a média que precisava (com base nas notas mínimas de candidatura dos anos anteriores), precisava de ter uma nota muito alta no exame nacional de matemática. Tudo estava a correr como esperado, as notas ao longo desse ano tendiam a subir e a alcançar o que precisava para aumentar a média. Quando chegou a altura de começar a estudar para o exame, estava imparável: fazia noitadas a estudar com uma das minhas melhores amigas, que tinha o mesmo objetivo, e, durante o dia, continuávamos o estudo intensivo para ter a certeza de que estávamos preparadas para qualquer pergunta que nos aparecesse à frente no dia do exame.

Lembro-me de, mesmo sabendo que o exame não me tinha corrido tal e qual como tinha imaginado, estar à espera de uma nota não muito diferente da que tinha como objetivo. Grande foi o meu choque quando saíram as notas. O curso que queria tinha ido por água abaixo! Sabia, e todos à minha volta me diziam e consolavam, que nem tudo estava acabado. Tinha ainda a segunda fase de exames, ou podia até mudar de curso mais tarde, mas na altura a revolta tomou conta de mim… Afinal, tantos meses de esforço “para nada”.

Um dos primeiros pensamentos que me dominou naquele dia foi “Porque é que depois de estudar tanto, de rezar tanto a pedir força para continuar a estudar e que o exame corresse bem, de ter os meus pais e avós a rezar por mim naquela manhã de 13 de julho, Ele não me deu o que tanto queria?! Teria feito alguma coisa mal?”.

Na tarde em que vi a pauta com as notas ouvi do meu pai a célebre frase: «Deus escreve direito por linhas tortas». Olhando para trás, já de uma perspetiva diferente, percebo melhor o seu sentido. Foi todo um processo: no início, a revolta, a frustração… depois, escolher um curso que me permitisse fazer cadeiras que dessem equivalência para, no fim do primeiro ano, mudar para biomédica – as linhas tortas -; mais tarde, a descoberta daquilo que o curso de engenharia do ambiente, que acabei por escolher e no qual entrei, tinha reservado para mim. Afinal, não ter conseguido entrar em engenharia biomédica trouxe-me tanto! Conheci pessoas espetaculares, hoje grandes amigos, fiz trabalhos onde senti que, de facto, estava a trabalhar para um mundo melhor e percebi que talvez Ele tivesse escolhido este caminho para mim.

Se naquela altura a pergunta era “Porque é que, depois de tudo, Ele não me deu o que tanto queria?!”, após ter lido a frase do P. Nuno “(…) pede-Lhe perdão se achaste que, no fim, era Ele quem deveria fazer a tua vontade”, a minha perspetiva deu uma volta de cento e oitenta graus. Percebi que aquele primeiro pensamento era quase egoísta por achar que Ele tinha de me dar o que tinha pedido.

Muitas vezes pensamos que sabemos o que é melhor para nós. Num texto que li, São Charles de Foucauld dizia: «Com efeito, Ele vê mais longe que nós; e não quer apenas o nosso bem, quer o bem de todos». Levo este desafio para o resto da minha vida: ser capaz de, em tempos de adversidade ou revolta, ter a força de acreditar que Alguém olha por mim e está a ver para além do que os meus olhos são capazes de alcançar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.