A economia portuguesa está praticamente estagnada há 20 anos. De 1999 até 2018, o nosso produto interno bruto (PIB) per capita cresceu em termos reais (descontada a inflação) cerca de 13%, o que é pouco mais do que 0,6% em média por ano. Este fraquíssimo crescimento levou o nível de vida médio dos nossos cidadãos a passar de cerca de 71% para cerca de 64% do nível de vida médio na União Europeia.
É certo que, após a crise financeira e o programa de assistência económica e financeira de 2010-14, o PIB e o emprego têm recuperado. Contudo, essa reanimação não parece corresponder a uma alteração estrutural significativa. Sintoma disso é o ressurgimento de riscos de desequilíbrio nos pagamentos entre Portugal e o exterior. Esse desequilíbrio revela incapacidade da nossa oferta de produtos satisfazer a nossa procura e, equivalentemente, incapacidade da poupança interna financiar o investimento.
Na verdade, já em junho, o Banco de Portugal previa que em 2019-21 a Nação deixará de registar a ligeira capacidade líquida de financiamento que conseguiu em 2013-17 (cerca de 2% do PIB), passando a registar um saldo nulo da balança financeira; ou seja, o País como um todo passará a estar no limite dum eventual desequilíbrio externo, pois um saldo nulo de financiamento externo pode muito facilmente redundar num défice se as condições macroeconómicas se deteriorarem. Os números mais recentes apontam que Portugal terá registado uma necessidade de financiamento externo de 2169,5 milhões de euros (m.e.) no primeiro semestre de 2019, bem maior do que os 1333,5 m.e. registados no primeiro semestre de 2018.
No artigo de 22 de julho passado, foquei-me na transferência forçada de poupança privada para poupança pública observada nos anos recentes. O foco deste artigo é a incapacidade do país como um todo gerar mais produto (ou rendimento) e portanto mais poupança.
Pensemos no PIB como um bolo. O que é necessário é cozinhar um bolo maior e com um sabor diferente. Um PIB com mais produtos e produtos diferentes, capazes de satisfazer a procura interna e externa – o que exige adequação às mudanças das procuras, e competitividade (que só pode resultar de produtividade) para concorrer com os produtos dos outros países.
Seguramente não passa pela cabeça de ninguém esperar obter um bolo maior e com sabor diferente se mantiver a mesma receita de sempre. Da mesma forma, não faz sentido esperar que o PIB cresça se mantivermos as políticas económicas e o sistema de incentivos económicos que temos dado à nossa população.
O crescente peso do Estado tem limitado a liberdade de escolha dos indivíduos e o papel dos grupos intermédios da sociedade civil na economia e na sociedade. Mas são as pessoas, decidindo e agindo livremente, quer ao nível individual quer ao nível de grupos sociais, que podem dinamizar a economia e a sociedade.
Nos anos recentes temos assistido a políticas mais ocupadas em redistribuir o bolo do que em fazê-lo crescer. Ainda que possam aparentar preocupações de justiça, penso que há, na verdade, pouca justiça em tais políticas. Incomparavelmente mais justo é fazer crescer o bolo em tamanho e sabor, permitindo fatias substancialmente maiores e melhores para todos. Mais, a redistribuição de fatias de um bolo estagnado é, em si, destruidora dos incentivos para que se venha a alterar a receita e, portanto, o tamanho e sabor do bolo.
Nos anos recentes temos assistido a um aumento da estatização da nossa economia. A carga fiscal está em níveis sem precedentes, o que desincentiva o trabalho mais qualificado e, ainda mais, a poupança e o investimento privados; o sector privado tem vindo a ser afastado de inúmeras atividades em que era agente produtor eficiente, sendo substituído por serviços públicos dotados de cada vez menos recursos e nos quais não há quaisquer incentivos ao empenho pelos funcionários; apesar de ser reconhecido que há rendas excessivas auferidas por empresas para-monopolistas em sectores chave da economia e sociedade, nada tem sido feito para aumentar a concorrência nesses mercados de produtos – pelo que os respetivos preços continuam empolados, retirando bem-estar ao resto da sociedade; mais, como a legislação laboral continua (para já!) relativamente flexível, a falta de concorrência em muitos mercados de produtos tem levado à redução do peso dos salários no rendimento. A lista de políticas injustas e de incentivos perversos poderia continuar…
O crescente peso do Estado tem limitado a liberdade de escolha dos indivíduos e o papel dos grupos intermédios da sociedade civil na economia e na sociedade. Mas são as pessoas, decidindo e agindo livremente, quer ao nível individual quer ao nível de grupos sociais, que podem dinamizar a economia e a sociedade. O Estado deve ter um papel subsidiário e não inibir a liberdade de escolha e de associação que é a insubstituível fonte de inovação e progresso. Isso está, aliás na Constituição da República Portuguesa, como observou recentemente Mário Pinto.
Olhando para o debate público atual, e em vista das eleições legislativas de outubro, parece-me preocupante a falta de ideias novas para mudar a receita sócio-económica com que temos vindo a ‘cozinhar’ um PIB estagnado.
Entre as poucas exceções está, por exemplo, a ideia de substituir o regime de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) por um regime de taxa única. Em síntese, proporcionar-se-ia isenção para rendimentos abaixo de determinado limiar (limiar variável com, por exemplo, o número de dependentes no agregado familiar) e tributar-se-ia à mesma taxa todos os rendimentos acima desse limiar. Tal sistema seria muito mais simples e transparente, por um lado, e menos propenso à fraude, por outro lado. Mais importante ainda, mantendo alguma progressividade (garantida pela isenção de rendimentos mais baixos) – que promove a justiça social – tal sistema reduziria os desincentivos ao trabalho e investimento que decorrem das elevadíssimas taxas marginais de imposto dos rendimentos mais elevados.
Note-se que esta proposta levaria certamente a uma descida das receitas fiscais. É crucial fazer notar que a ideia não poderia ser fazer aumentar o défice; esta medida teria de ser combinada com outras de redução da despesa pública, em coerência, aliás, com a posição doutrinária que a sustenta, de cariz liberal. Em qualquer caso, a melhoria dos incentivos faria crescer o PIB e portanto também a base de incidência dos impostos.
Um IRS de taxa única seria verdadeiramente uma mudança de receita. E esta receita já resultou em ‘bolos’ maiores e com outros ‘sabores’ noutros países. Que propostas como estas não mereçam atenção e debate é, na minha opinião, sintoma de que a elite política não parece consciente de que sem uma receita diferente não é possível aumentar o bolo e melhorar o seu sabor. Ou está demasiado entretida a redistribuir as fatias do bolo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.