A família é o verdadeiro refúgio

Para muitas famílias refugiadas, separadas pela guerra e perseguições, o reagrupamento familiar é a única forma legal e segura de voltarem a ser Família.

No aeroporto de Lisboa, a expectativa é grande. Duas mulheres Sírias, aguardam ansiosamente a chegada dos maridos, após quase quatro anos de separação e um processo jurídico de reagrupamento familiar, burocrático e moroso. A mais jovem, tem uma criança de três anos nos braços e a mais velha, é mãe de dois adolescentes, ambos de telemóvel na mão. De repente, recebem o WhatsApp esperado: “Chegaram! Estão a recolher a bagagem…” A alegria e o nervosismo toma conta do grupo, onde se encontram também alguns amigos portugueses, da comunidade de acolhimento. Todos os olhos se voltam agora para a porta das chegadas, onde se vão sucedendo outros reencontros. Finalmente, surgem eles, sorridentes mas cansados. Não é possível descrever o momento, porque nem parece verdade, após tanta luta para que este dia chegasse. “Estão mais magros” – dizem. O abraço e as lágrimas são feitas de esperança. Um dos pais, pega no filho ao colo. Quando se separaram a criança era um bebé, de poucos meses. Olham-se e estão felizes, cheios de ternura. Durante a separação, foi grande o sofrimento de todos, um tempo marcado pela incerteza,  provações e algumas conquistas. Mas o dia do reencontro chegou e assinala um novo recomeço para as duas famílias.

Felizmente, estes maridos não tiveram que arriscar as suas vidas numa perigosa (e muito dispendiosa) travessia do Mediterrâneo para a Europa, às mãos de redes criminosas que exploram o sofrimento humano. Chegaram através de uma via legal e segura, num voo regular e com um visto no passaporte. Assim deveria ser para muitos outros familiares de refugiados, na Europa, que beneficiam de proteção concedida pelo Direito Internacional. Mas não é o que frequentemente acontece.

Os dados disponíveis não deixam margem para dúvidas: em Portugal e em muitos outros países da Europa, os processos de reagrupamento familiar são difíceis, morosos e a lista de familiares que podem beneficiar deste direito é demasiado restrita.

O direito ao reagrupamento familiar continua a ter uma interpretação restritiva por parte dos estados membros, contrariando as recomendações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), as recomendações do Conselho da Europa e as recomendações de muitas organizações que trabalham com estas populações, no terreno, incluindo a Cáritas e o JRS Europa.

Os dados disponíveis não deixam margem para dúvidas: em Portugal e em muitos outros países da Europa, os processos de reagrupamento familiar são difíceis, morosos e a lista de familiares que podem beneficiar deste direito é demasiado restrita. De acordo com informação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no âmbito do Programa de Recolocação da União Europeia (UE), foram concedidos, até 15 de Janeiro deste ano, 666 pedidos de proteção internacional (dos quais 172 estatutos de refugiado e 494 títulos de proteção subsidiária). O SEF alega não dispor de dados específicos sobre o número de processos de reagrupamento familiar. Não obstante, de acordo com uma investigação do Jornal Público, divulgada no início do ano, foram apresentados às autoridades 18 pedidos de reagrupamento familiar, sendo que apenas três processos foram aceites.

Atualmente, são diversos os constrangimentos no âmbito dos processos de reagrupamento com implicações no atraso (ou inviabilização) da reunificação familiar, nomeadamente: a impossibilidade de os requerentes de asilo apresentarem o pedido de reagrupamento, antes da decisão final do pedido de proteção internacional (que pode demorar vários meses); após a decisão final, a demora no agendamento de uma data para formalizar a apresentação do pedido de reagrupamento (também com demora de meses); dificuldade de apresentação de alguns documentos no processo (certidões de nascimento e casamento autenticados, certificados de registo criminal, passaportes) pois muitas vezes os refugiados fogem apenas com a roupa do corpo e não trazem documentos; nalguns casos, atraso e incumprimento do prazo máximo de decisão por parte do SEF (seis meses) sem reconhecimento da aprovação automática prevista na lei; após decisão de aceitação do pedido de reagrupamento, dificuldades de articulação e acesso dos familiares à representação consular de Portugal mais próxima, a fim de obterem o visto para Portugal (na maioria das vezes, o consulado está situado noutro país); elevadas despesas com documentação e viagens, em particular quando os familiares a reagrupar são o cônjuge e vários filhos.

Acresce a estas dificuldades, o facto de só um elenco muito limitado de familiares poder beneficiar deste direito. Está abrangida a família nuclear: cônjuge, filhos menores do casal (ou seja, os filhos não casados menores de idade) ou de um dos membros do casal se estiverem à sua guarda e cargo, incluindo os filhos adotados. Na situação de refugiados menores de idade, incluem-se ainda os respetivos pais e adulto responsável pelo menor não acompanhado. Mas ficam de fora desta lista, os filhos maiores solteiros, pais e os avós, a cargo do casal e os irmãos.

É preciso não esquecer que muitos destes familiares excluídos do reagrupamento familiar, correm risco de perseguição ou permanecem em zonas de conflito ou em países de trânsito, que não lhes oferecem condições de vida digna.

Na sua versão original, a lei de asilo limitava-se a remeter para o regime da Lei de Estrangeiros. Com a última alteração, o legislador nacional, em lugar de ampliar o leque de beneficiários de reagrupamento familiar de refugiados – acatando as recomendações do ACNUR, Conselho da Europa e ONG’s -, antes o restringiu. Esta situação causa enorme  perplexidade. Pois, atualmente, o direito ao reagrupamento familiar de refugiados e beneficiários de proteção internacional é mais limitado do que o direito ao reagrupamento familiar de imigrantes em geral.

No entanto, é preciso não esquecer que muitos destes familiares excluídos do reagrupamento familiar, correm risco de perseguição ou permanecem em zonas de conflito ou em países de trânsito, que não lhes oferecem condições de vida dignas. Continuam vulneráveis e expostos ao perigo. Na falta de uma via legal e segura  para se reunirem aos seus familiares, poderão ver-se forçados a recorrer a vias alternativas de fuga, colocando-se nas mãos de traficantes, como antes deles os seus familiares tiveram que fazer. Esta consequência não é de todo coerente com objetivos definidos na “Agenda Europeia da Migração”. Aqui se reconhece que: “A Europa não pode ficar parada perante pessoas a morrer (…). As redes criminosas que exploram migrantes vulneráveis têm de ser desmanteladas.” Ora, políticas restritivas de reagrupamento familiar não contribuem para este objetivo.

Nas palavras do Papa João Paulo II, “A família é a célula fundamental da sociedade humana”. É na família que está o refúgio e o ponto de partida para uma vivência de respeito e fraternidade dentro da sociedade. Uma família construída no amor gera entrega gratuita. Também o Papa Francisco tem recordado que “é preciso promover e preservar sempre a integridade e o bem-estar da família independentemente do estatuto migratório. Tal pode obter-se favorecendo o reagrupamento familiar alargado (avós, irmãos, netos)”. Em 2015, o apelo lançado pelo Papa Francisco ao acolhimento de refugiados na Europa, por comunidades cristãs, foi centrado no acolhimento de famílias.

Para os refugiados, que tudo perderam, a presença dos familiares junto de si é fundamental para a sua estabilidade e identidade. A família é o porto de abrigo, o verdadeiro refúgio, não aquele que fecha mas antes aquele que abre o coração à esperança.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.