O Euro completou vinte anos em 1 de janeiro deste ano. Depois duma calma primeira metade de vida, desde 2009 a União Económica e Monetária (UEM) defrontou circunstâncias extremamente complexas: a crise financeira global e a ‘grande recessão’ que se lhe seguiu; o ciclo vicioso entre crises de dívida pública de alguns Estados membros e dos seus sistemas bancários; a inoperância da política monetária tradicional e a necessidade de conduzir políticas não convencionais (taxas de juro negativas, compra de ativos em larga escala pelo Banco Central Europeu (BCE), compromissos explícitos sobre as políticas futuras) de efeitos muito difíceis de monitorizar; e, ainda neste momento, fortes dificuldades de reanimação das economias europeias, aumentando os riscos acumulados com essas políticas não convencionais.
Tem sido notável a resistência da UEM, sobretudo tendo em conta que a sua criação foi um ‘salto no escuro’ e que a sua construção foi gradual – como é, aliás, típico do projeto europeu; por isso, aquelas crises e dificuldades apanharam a UEM ainda jovem e impreparada; e – como também é típico do projeto europeu – foram o motor da sua progressiva reforma e aperfeiçoamento. Se as circunstâncias políticas não estragarem o processo, estou convencido que o Euro continuará a contribuir para um cada vez mais único mercado europeu de bens e serviços; que o Euro será cada vez mais utilizado mundialmente; que a solidariedade entre os Estados membros aumentará (o que remete para uma aproximação ao federalismo); que a UEM será cada vez mais uma zona de estabilidade monetária (inflação baixa e estável) e estabilidade financeira (pagamentos fluídos e solidez das instituições financeiras).
Neste texto, deixo de lado as vantagens políticas da UEM – embora não pretenda desvalorizar essas vantagens, que aliás estão na génese das próprias Comunidades Europeias – para me centrar nas questões económicas; a mensagem é clara: Parabéns, Europa!
E quanto a Portugal? Estaríamos hoje seguramente pior se não tivéssemos aderido às Comunidades Europeias (1986) e à União Económica e Monetária (1999). Por isso, este é um tempo de agradecimento, de congratulações e de esperança: Parabéns Portugal!
Não cabendo aqui abordar a pertença histórica e cultural de Portugal à Europa, nem como aquelas adesões foram cruciais para a opção e consolidação dum regime democrático no nosso país, foco-me nas questões económicas.
Uma pequena economia como a nossa, altamente integrada com a Europa – no comércio, no financiamento, nos movimentos de capitais e de trabalho – nunca poderia ficar de fora da União Europeia, nem, uma vez criada, da UEM. Dada a nossa dimensão, as complementaridades com a Europa são inevitavelmente enormes e a abertura resulta em inequívocos ganhos de bem-estar (como então se viu, o afastamento económico face a Espanha até 1986 apenas se devia ao regime não democrático colonial e isolacionista).
Temos de estar muito agradecidos aos políticos que, desde o final dos anos 1970, promoveram a adesão de Portugal à então denominada Comunidade Económica Europeia e lideraram a adesão em 1986; e aos políticos que a partir de 1990 conduziram políticas macroeconómicas que visavam a adesão ao Euro na ‘primeira velocidade’ – ou seja, desde a primeira hora – e nisso tiveram sucesso.
Temos de estar muito agradecidos aos políticos que, desde o final dos anos 1970, promoveram a adesão de Portugal à então denominada Comunidade Económica Europeia e lideraram a adesão em 1986; e aos políticos que a partir de 1990 conduziram políticas macroeconómicas que visavam a adesão ao Euro na ‘primeira velocidade’ – ou seja, desde a primeira hora – e nisso tiveram sucesso.
Costumo explicar intuitivamente a importância de termos integrado o Euro da seguinte forma: se um país não consegue produzir um determinado produto e precisa dele – por exemplo, petróleo – o que pode fazer? Evidentemente, importa esse produto. Pois bem, Portugal quase nunca foi capaz de produzir um regime de política macroeconómica – monetária e orçamental – estável e credível; isto é, quase nunca conseguiu manter a inflação controlada, a moeda convertível (aceite internacionalmente), as contas do Estado equilibradas e as contas externas saudáveis; ora, se não somos capazes de produzir disciplina e credibilidade macroeconómica, resta-nos importá-la: é isso que o Euro possibilita.
Nos resgates de 1976 e de 1983 (e não se esqueça que qualquer necessidade de resgate se deve a indisciplina económico-financeira), entre as medidas de austeridade encontrava-se a desvalorização do escudo; aliás, de 1976 até Outubro de 1990 ocorreu uma desvalorização contínua do escudo; foi precisamente entre Outubro de 1990 e Abril de 1992 que decorreu o essencial da nossa preparação para o Euro: estabilidade da taxa de câmbio do escudo (com adesão ao Sistema Monetário Europeu que antecipou a UEM), liberalização do mercado monetário doméstico (taxas de juro, quantidade de crédito) e do mercado cambial (circulação de capitais com o exterior).
Muitos apontaram – e alguns ainda assim pensam – que Portugal abdicou da independência monetária; poupo o leitor às tecnicalidades, mas julgo ser intuitivo que num mundo globalizado uma pequena economia não tem autonomia monetária, porque não pode ter uma taxa de juro doméstica independente da do exterior, que é determinada por um mercado em que essa economia nada conta; autonomia monetária, só mesmo se a pequena economia estiver disposta a fechar-se ao exterior.
Outros apontaram que nos resgates de 1976 e 1983 a desvalorização permitiu manter mais empresas e postos de trabalho enquanto se corrigia os desequilíbrios externo e das contas públicas; e comparam com o resgate de 2011, no qual não se podendo desvalorizar a moeda se teve de reduzir custos de produção, desde logo os salariais, e o desemprego aumentou mais persistentemente.
Contudo, a desvalorização não é neutra e cria muitas ineficiências e injustiças: redistribui recursos em favor dos sectores exportadores, nos quais cria uma ilusão de competitividade que não provém de qualquer produtividade efetiva, desincentivando assim as reformas estruturais que permitiriam esse ganho de competitividade; alimenta um ciclo vicioso inflação-desvalorização-inflação, porque aumenta o preços dos produtos importados e mantém os salários a crescer irrealisticamente, o que alimenta inflação, que por sua vez requer mais desvalorização, que por sua vez induz mais inflação, etc… Ora, a inflação é altamente redistributiva de recursos; por um lado, prejudica as pessoas mais frágeis – trabalhadores menos qualificados e com menor poder reivindicativo, reformados e pensionistas em geral; por outro lado, prejudica o cálculo económico e leva os investidores a requerer um prémio pelo risco elevado, o que deprime o investimento e portanto o crescimento e o desenvolvimento económico.
Ainda mais importante: desvalorizar a moeda é equivalente a desvalorizar os salários em termos de poder de compra internacional; na prática, essa política é uma opção por isolar o país, retirar à população capacidade para diversificar o seu padrão de consumo incluindo bens importados. Uma alternativa é desvalorizar direta e expressamente todos os salários (com cortes e aumentos de impostos); essa opção – que me parece mais justa, sustentável e eficaz – foi a do programa de ajustamento do resgate de 2011, porque já não tínhamos moeda própria para desvalorizar.
Entretanto, a adesão ao Euro tinha permitido taxas de juro drasticamente mais baixas no nosso país; por um lado, isso levou muitos agentes a (racionalmente) anteciparem consumo; por outro lado, levou outros agentes a investir mais; infelizmente, sabemos que Portugal como um todo preferiu antecipar consumo a investir (bem), pelo que a economia não veio a crescer o necessário para amortizar os empréstimos entretanto obtidos no mercado financeiro internacional; e daí a necessidade de resgate em 2011.
Estiveram bem pior os políticos que geriram o país após a adesão ao Euro, do que os que a negociaram e prepararam. Não deram indicações claras e atempadas dos perigos do excesso de endividamento; desperdiçaram as poupanças que o Estado obteve com a diminuição dos juros a pagar pela dívida pública, em crescimentos irrealistas da despesa pública; supervisionaram mal o sistema financeiro e até chegaram a colocá-lo ao serviço do endividamento do Estado no auge da crise (2010-11).
Felizmente estamos no Euro. Subordinados, sim, a regras de política orçamental que obrigam à disciplina e impedem a repudiação da dívida de que muitas forças extremistas falavam (parecem desconhecer quanto tempo Portugal demorou a poder voltar aos mercados sempre que repudiou a dívida externa). Mas, por outro lado, com acesso à ajuda financeira europeia (para além da do Fundo Monetário Europeu) associada a um saudável condicionalismo que obriga a sanear contas públicas, reduzir o endividamento da economia em geral, promover reformas que aumentem a eficiência e sanear o sistema financeiro. Com acesso à política monetária expansionista e não convencional do BCE, que inundou a Europa de liquidez e contribuiu para a resolução de muitas das crises soberanas e financeiras, incluindo as de Portugal. E beneficiando de novos mecanismos de regulação e supervisão micro e macro-prudencial, que fortalecem a governação financeira e, tudo correndo bem, impedem a repetição de erros clamorosos cometidos no sector financeiro.
Infelizmente, a concretização do programa de ajustamento económico-financeiro e a forma como se tem gerido os tempos que se lhe seguiram, lançou sobre os portugueses uma carga de impostos nunca vista, que sobrecarrega pessoas e empresas de forma insustentável. Mantenhamos a esperança de que melhores opções políticas virão. Duma coisa não tenhamos dúvida: sem a ação dos políticos de elevada estatura que conduziram Portugal ao Euro, os políticos de menor estatura que depois nos governaram teriam tido bem mais graus de liberdade para prejudicar a economia e a população do nosso país.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.