Trabalhar com espírito de missão

Nunca, como nesta altura, senti uma espécie de incompatibilidade entre ser mãe/mulher/filha e ser médica. Porque para tratar dos outros arriscava a saúde dos meus entes mais queridos. Mas juntos somos mesmo mais fortes.

Nunca, como nesta altura, senti uma espécie de incompatibilidade entre ser mãe/mulher/filha e ser médica. Porque para tratar dos outros arriscava a saúde dos meus entes mais queridos. Mas juntos somos mesmo mais fortes.

Quando me pediram para partilhar a minha experiência em tempo de pandemia, confesso que fiquei aterrada. O que tenho eu para partilhar?

No final de fevereiro começou a perceber-se que o que aí vinha era sério, um vírus que os nossos olhos não viam, mas que viria a trazer gigantescas implicações nas nossas vidas. Vidas que, muito provavelmente, não voltarão a ser como eram.

Começou nesta altura uma espécie de quaresma que foi durando até ultrapassar os 40 dias.

Primeiro apareceu o medo… medo do desconhecido, medo de ficar doente, medo de levar outros a ficarem doentes, medo por mim, sobretudo pelos meus, por todos nós! Quando meio mundo se queixava de não poder sair de casa, eu só me lamentava por não poder ficar em casa. Nunca, como nesta altura, senti uma espécie de incompatibilidade entre ser mãe/mulher/filha e ser médica. Porque para tratar dos outros arriscava a saúde dos meus entes mais queridos.

A minha fé foi maltratada neste início, de tal forma me sentia assoberbada pelo caos que se foi instalando à minha volta. Mas só com ela consegui fazer este caminho de confiança e entrega a Deus.

A minha fé foi maltratada neste início, de tal forma me sentia assoberbada pelo caos que se foi instalando à minha volta. Mas só com ela consegui fazer este caminho de confiança e entrega a Deus.

Felizmente tenho o privilégio de trabalhar com uma equipa fantástica constituída por médicos, enfermeiras e assistentes operacionais que, em pouco mais de uma semana, foi capaz de se reinventar, de se reorganizar, de delinear estratégias para um novo  funcionamento. Inventámos material de proteção, organizámos circuitos de circulação de forma a reduzir o risco de contaminação, isto tudo com os escassos recursos disponíveis. Trabalhámos com espírito de missão, coesos, o que nos fez ultrapassar os nossos limites e nos mostrou que juntos somos mesmo muito mais fortes. Acredito que este empenho na nossa missão foi uma dádiva divina que nos permitiu a superação de cada um individualmente em prol de um bem maior.

Esta foi também a época em que sobressaíram valores fundamentais como a solidariedade, a generosidade e a entreajuda. Foram várias as pessoas conhecidas e desconhecidas que se prontificaram a ajudar, quer fornecendo as poucas máscaras de que dispunham, quer cedendo acrílicos de proteção que já não eram utilizados, quer inovando nas técnicas de elaboração de viseiras, depois gentilmente distribuídas.

Ainda há muito caminho para percorrer, ainda há muitos doentes para ver, muitos protocolos por afinar, mas já sabemos que é trabalhando juntos, em sociedade, que conseguimos mais e melhor para todos!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.