Papa contra redução da guerra da Ucrânia a visão de bons e maus

Num encontro com diretores das revistas culturais dos jesuítas, no qual participou o P. José Frazão Correia, Francisco lamenta que a guerra tenha sido de alguma forma provocada ou não impedida. Texto integral para ler no site da Brotéria.

Num encontro com diretores das revistas culturais dos jesuítas, no qual participou o P. José Frazão Correia, Francisco lamenta que a guerra tenha sido de alguma forma provocada ou não impedida. Texto integral para ler no site da Brotéria.

“A Terceira Guerra Mundial já foi declarada”, afirmou o Papa Francisco, considerando que “estamos a viver a terceira guerra mundial aos pedaços”. Num encontro com os diretores das revistas culturais europeias dos jesuítas, que se realizou no dia 19 de maio, o Papa referiu-se à guerra na Ucrânia mas também a outros locais onde “a guerra ainda está a decorrer e ninguém se importa”: o norte da Nigéria, o norte do Congo, Mianmar (e o caso dos Rohingya). O resultado desta conversa do Papa com os 10 responsáveis das revistas culturais europeias jesuítas, na qual participou o P. José Frazão Correia (diretor da revista Brotéria) poderá ser lido na íntegra no site da Brotéria.

Recusando colocar-se de um dos lados do conflito, e assumindo até o risco de ser considerado pró-Putin, o Santo Padre criticou a forma simplista de olhar a realidade. E afirmou: “Aquilo a que estamos a assistir são a brutalidade e a ferocidade com que esta guerra está a ser levada a cabo pelas tropas, geralmente mercenárias, utilizadas pelos russos. E os russos preferem, de facto, colocar na linha da frente chechenos, sírios, mercenários. Mas o perigo é que só vemos isto, o que é monstruoso, e não vemos todo o drama que se está a desenrolar por detrás desta guerra, que talvez tenha sido de alguma forma provocada ou não impedida. E registo ainda o interesse em testar e vender armas. É muito triste, mas, no fundo, é mesmo isto que está em jogo. Alguém me poderia dizer neste momento: mas o Papa é pró-Putin! Não, não sou. Seria simplista e errado dizer uma coisa desse género. Sou simplesmente contra a redução da complexidade à distinção entre os bons e os maus sem raciocínio sobre as raízes e interesses, que são muito complexos. Enquanto assistimos à ferocidade, à crueldade das tropas russas, não devemos esquecer os problemas, a fim de tentar resolvê-los.“

“Sou simplesmente contra a redução da complexidade à distinção entre os bons e os maus sem raciocínio sobre as raízes e interesses, que são muito complexos. Enquanto assistimos à ferocidade, à crueldade das tropas russas, não devemos esquecer os problemas, a fim de tentar resolvê-los” – Papa Francisco.

Neste encontro, Francisco referiu ainda uma conversa particular que teve com um Chefe de Estado, que não quis mencionar, e que aconteceu meses antes de começar a guerra. “Disse-me que estava muito preocupado com a forma como a NATO se estava a mover. Perguntei-lhe porquê, e ele respondeu: ‘Eles estão a ladrar às portas da Rússia. E não compreendem que os russos são imperiais e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles’. E concluiu: ‘Esta situação poderá levar à guerra’”, contou Francisco, salientando a capacidade deste Chefe de Estado de ler os sinais do que estava para acontecer.

No texto que pode ser lido na íntegra no site da revista Brotéria, o Papa considerou ainda que “o que está perante os nossos olhos é uma situação de guerra mundial, de interesses globais, de venda de armas e de apropriação geopolítica, que está a martirizar um povo heróico.” E sublinhou a forma como a Ucrânia, “perita em sofrer escravidão e guerras”, está a enfrentar a situação: “Um povo sem medo de lutar. Um povo trabalhador e, ao mesmo tempo, orgulhoso da sua terra.” Um heroísmo, acrescenta o Santo Padre, “que anda de mãos dadas com a ternura!”

Profundamente emocionado com o drama que se está a desenrolar por detrás da guerra, o Papa pediu ainda aos diretores das revistas jesuítas para, nas suas publicações, ajudarem a transmitir e a compreender o drama humano da guerra, indo para além das análises geopolíticas.

“Um povo sem medo de lutar. Um povo trabalhador e, ao mesmo tempo, orgulhoso da sua terra.” – Papa Francisco

Sobre a sua conversa com o Patriarca Cirilo, o Papa Francisco esclareceu ainda que nesse contacto este leu uma declaração na qual apresentava razões para justificar a guerra: “Quando terminou, intervim e disse-lhe: ‘Irmão, nós não somos clérigos de Estado, somos pastores do povo’”. Francisco adiantou ainda que deveria encontrar-se com o Patriarca Cirilo no dia 14 de junho em Jerusalém, para falar sobre os nossos assuntos. “Mas, com a guerra, por acordo mútuo, decidimos adiar a reunião para uma data posterior, para que o nosso diálogo não fosse mal-entendido. Espero encontrá-lo por ocasião de um congresso no Cazaquistão, em setembro. Espero poder cumprimentá-lo e falar um pouco com ele como pastor”, acrescentou.

Nesta entrevista que pode ser lida na íntegra na Brotéria, Francisco aborda ainda temas mais eclesiais, como o surgimento do restauracionismo que, diz, “chegou para amordaçar o Concílio”, ou o sínodo dos bispos da Alemanha.

O artigo pode ser lido aqui.

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P. José Frazão Correia, diretor da revista Brotéria, foi um dos recebidos pelo Papa Francisco no Vaticano.

Leia aqui o editorial da última edição da Brotéria, dedicado ao tema da guerra. Escrito pelo P. José Frazão Correia, sj.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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