O nome “jesuíta” nos 480 anos da fundação da Companhia de Jesus

Assinalam-se hoje, 27 de Setembro, 480 anos da fundação da Companhia de Jesus. Assinalando a data, percorremos a história da palavra "jesuíta" que, ao longo dos tempos, ora foi usada como insulto, ora como louvor.

Assinalam-se hoje, 27 de Setembro, 480 anos da fundação da Companhia de Jesus. Assinalando a data, percorremos a história da palavra "jesuíta" que, ao longo dos tempos, ora foi usada como insulto, ora como louvor.

Assinalam-se hoje, 27 de Setembro, quatrocentos e oitenta anos sobre a data em que o Papa Paulo III, no Palácio de S. Marcos, em Roma, assinou a bula Regimini militantis ecclesiae estabelecendo a Companhia de Jesus como uma nova família religiosa.

27 de Setembro de 1540 é a data canónica ou oficial de fundação da Companhia de Jesus, embora outros historiadores valorizem outra data, a de 15 de Agosto de 1534, dia em que Inácio de Loyola e seis companheiros – Pedro Fabro, Francisco Xavier, Diego Laynez, Simão Rodrigues, Alfonso Salmerón e Nicolau Bobadilla – numa missa celebrada por Pedro Fabro na capela de Montmartre, em  Paris, fizeram os seus primeiros votos de castidade e de pobreza e um terceiro de irem em peregrinação à Terra Santa e se por qualquer motivo esta peregrinação não se pudesse realizar no prazo de um ano, poriam o seu destino nas mãos do Papa. Podemos considerar que entre esta fundação espiritual e a fundação oficial, nasceram os jesuítas.

 

O nome jesuíta, entre o insulto e o louvor

A palavra “jesuíta” não foi inventada, nem usada pelo seu fundador, Inácio de Loyola, nem pela Companhia de Jesus. Não se encontra nem nas Constituições, nem em qualquer documento oficial, desde a aprovação da Ordem por Paulo III em 1540, até 1975.

Nas Constituições Da Companhia de Jesus fala-se de: “quantos vivem a obediência na Companhia”; “de qualquer um que na nossa Companhia” e outras expressões parecidas. Os documentos da Santa Sé, até hoje, referem-se aos “sacerdotes”; “religiosos”; “os regulares da Companhia de Jesus”; “os filhos de Santo Inácio”.

Nos primeiros tempos da Companhia, o Padre António Araoz (1573) afirma de Espanha: “Alguns chamam-nos iniguistas (=de Inigo=Inácio) outros papistas, outros sacerdotes reformados. Em Portugal, especialmente em Coimbra, chamaram-lhes Apóstolos, por serem em numero de doze os que fundaram em 1542 o Colégio de Jesus, em Coimbra e pelo zelo com que se dedicavam aos ministérios de púlpito e confessionário. Nos séculos XVII e XVIII era frequente vestir os meninos da nobreza com a “roupeta de Apostolinho”. Tal foi o caso de S. João de Brito.

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Sé Nova, Coimbra. Em coimbra os jesuítas foram chamados de "apóstolos". Fotografia de João Ferrand/Companhia de Jesus.

A mais antiga utilização conhecida da palavra “Jesuíta” ficou a dever-se a Ludolfo de Saxónia, o Cartuxo, que na sua Vita Christi que apareceu na Alemanha em 1350, cento e noventa anos antes da aprovação da Companhia de Jesus, dizia: Assim como os que, pela graça batismal, por Cristo somos chamados cristãos, assim na glória seremos chamados, pelo mesmo Jesus, jesuítas, isto é, salvos por Ele. Nesta primeira edição desta obra o termo “jesuíta” é particularmente positivo e estimulante. Antes da invenção da imprensa a obra tinha tido grande difusão. A sua primeira impressão é de Estrasburgo em 1474. Seguiram-se quatrocentas edições, muitas nos séculos XV e XVI, em diversas línguas europeias.

Santo Inácio leu na sua convalescença na casa paterna de Loyola, a tradução da Vita Christi, de Frei António de Montesinos, e conhecia esta palavra, em sentido positivo.

Pedro Canísio em carta de Colónia a Pedro Fabro, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio, conta-lhe: “…quanto a nós, posso dizer-te que nos chamam jesuítas.”

Provavelmente em Paris, não lhe passou despercebido o sentido pejorativo que se lhe dava. No “Confessionale” (exame de consciência para preparar a confissão) de Gottschalk  Roremund, publicado em 1519 em Anvers, propõe-se esta pergunta: “Tens omitido ensinar a palavra de Deus por temor de que escarneçam de ti e te chamem fariseu, jesuíta, hipócrita, beguino? O significado de Jesuíta como fariseu e hipócrita é neste texto muito desprezível, mas ainda é mais ofensivo o de “beguino”, vocábulo de origem flamenga, que tem o sentido de herege e depravado.

Por outro lado, no auge da devoção ao nome de Jesus na Itália dos séculos XIV e XV, o povo deu o nome de “gesuati” sem nenhum sentido pejorativo aos “Clérigos Apostólicos de S. Jerónimo” fundados em 1360 pelo Beato João Colombini, (1303/1367) porque iniciavam e concluíam as suas pregações com a frase “Louvado seja Jesus Cristo”.

S. Bernardino de Siena em 1427 foi acusado de heresia pela forma como propagava a devoção ao nome de Jesus. O humanista Poggio Bracciolini denunciou-o pelo seu jesuitismo, mas o papa Martinho V autorizou e exortou-o a continuar a pregação desta devoção, hasteando como antes o estandarte com o grande monograma IHS (do grego as três primeiras letras do nome de Jesus (ιησ ou ΙΗΣ) e latinizado para IESUS HOMINUM SALVATOR).

Aos companheiros de Jesus começou a chamar-se-lhes “Jesuítas” na Áustria e na Alemanha. Em Dezembro de 1544, Pedro Canísio em carta de Colónia a Pedro Fabro, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio, conta-lhe: “…quanto a nós, posso dizer-te que nos chamam jesuítas.” No ano seguinte retoma o tema: “Nós continuamos a levar para a frente os trabalhos do nosso Instituto, apesar da inveja e injúrias de alguns que até nos chamam “jesuítas”.

Deve datar deste período o famoso trocadilho anti-jesuíta jocoso e sarcástico em latim: “Si itis cum Iesuitis, non cum Iesu itis” (Se seguires os Jesuítas, não segues Jesus).

Com a supressão atenuou-se um pouco o anti-jesuitismo, mas apesar disso os dicionários continuaram a repetir: Jesuíta – membro da Companhia de Jesus e pessoa astuta, intrigante e hipócrita.

A evolução semântica da palavra “jesuíta”, habitualmente é um reflexo do comportamento humano; mas essa evolução depois da fundação da Companhia parece motivada por:

1)- Usar o termo “jesuíta” só e exclusivamente para designar os membros da Companhia de Jesus.

2)- Atribuir aos jesuítas todo o tipo de maquinações.

3)- Converter o termo jesuíta em sinónimo de astuto e hipócrita, e jesuítico em tortuoso e assim tornou-se num termo difamante.

Os protagonistas desta tendência foram sobretudo, a Alemanha protestante, a França galicana, a Inglaterra anglicana e especialmente o Iluminismo.

Daí se estendeu o antijesuitismo a toda a Europa e conseguiu a supressão da Companhia de Jesus em 1773. Após a supressão aos jesuítas extintos passaram a chamar-lhes ‘ex-jesuítas’ e eles próprios assim se designavam a si mesmos como ex-jesuítas ou em latim “olim SI”. Ao ser expulso com os seus companheiros por Carlos III em 1767, o Padre Vicente Alcubero, ouvindo que lhe diziam “Adeus, ex-jesuíta”, compôs o seguinte soneto.

Não me chames “ex” por caridade
Depois que o aceitou a Convenção
Deve a Europa à França esta invenção
E foi o seu primeiro fruto a ex-piedade

Seguiu-se Ex-Rei, Ex-Rainha, Ex- Sociedade
Ex- Papa, Ex-Padre, Ex-Culto, Ex-Devoção
Ex-Frade, Ex-Monja, Ex-Marido, Ex- Religião
Ex-Trono, Ex-Altar, Ex-Cristandade

Olha se o “ex” que tu me chamas hoje
Um ex fatal para a França foi
Outro novo fatal buscando vou

E de encontrá-lo tenho viva fé
Pois me parece que escutando estou
Ex-Paris, Ex-Nação, Ex-Liberté.

Com a supressão atenuou-se um pouco o anti-jesuitismo, mas apesar disso os dicionários continuaram a repetir: Jesuíta – membro da Companhia de Jesus e pessoa astuta, intrigante e hipócrita.

Enquanto se continuava a dar um sentido pejorativo à palavra “jesuíta”, os católicos achavam que pela sua brevidade e significado etimológico, era mais adaptada para substituir as extensas expressões companheiro de Jesus ou membro da Companhia de Jesus ou padre da Companhia. E nesse sentido exclusivo de membro da Companhia de Jesus se estendeu rapidamente.

“O que significa ser jesuíta? Reconhecer-se pecador e, apesar disso, chamado a ser companheiro de Jesus, como o foi Inácio.”

Congregação Geral XXXII

Esse significado parece ter ficado sancionado pelo concílio de Trento, que não o usa nos seus decretos, mas sim nas atas (de caracter menos solene). Ao Padre Diogo Lainez (2º geral) chama-lhe Prepósito Geral dos Jesuítas. Um ajudante do Mestre de Cerimónias do Concílio nomeia-o no seu diário da sessão de 21 de Agosto de 1562 como Generali Iesuitarum e a Companhia de Jesus como Ordinem Iesuitarum.

A popularidade que o vocábulo “jesuíta” adquiriu no mundo católico não foi nem promovida, nem desprezada pela Companhia de Jesus, que se limitou a reconhecer que, para o povo católico, não era senão um sinónimo de Companheiro de Jesus, e como tal merecedora de respeito.

Só veio a ser usada oficialmente pela própria Companhia de Jesus, 435 anos depois da sua fundação, na Congregação Geral XXXII (1975), em um dos seus decretos (2,1) que diz: “O que significa ser jesuíta? Reconhecer-se pecador e, apesar disso, chamado a ser companheiro de Jesus, como o foi Inácio (…)”

Em 1995, a Congregação Geral XXXIV usa-o de novo: “A Congregação Geral urge a que todos os jesuítas se esforcem por conseguir uma integração pessoal e comunitária cada vez maior, da sua vida espiritual com o seu apostolado…”

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.