O entusiasmo de uma vida cheia

Celebrações fúnebres do P. António Vaz Pinto, falecido na sexta-feira, foram marcadas pela comoção e pela gratidão por uma vida marcada por uma energia e entusiasmo contagiantes que tocaram tantas vidas e geraram tantos frutos.

Celebrações fúnebres do P. António Vaz Pinto, falecido na sexta-feira, foram marcadas pela comoção e pela gratidão por uma vida marcada por uma energia e entusiasmo contagiantes que tocaram tantas vidas e geraram tantos frutos.

Entusiasmo. Foi esta a palavra que mais se ouviu ao longo dos quatro dias que marcaram as celebrações fúnebres do P. António Vaz Pinto, falecido na sexta-feira e cujo funeral se realizou esta manhã em Lisboa. Aos microfones ou em conversas particulares, todos os que com ele partilharam a sua história ao longo de 80 anos sublinharam a alegria e a energia contagiantes do jesuíta que foi responsável pela criação e implementação de várias obras de enorme relevância apostólica e que ainda hoje marcam a dinâmica pastoral da nossa Província. Por isso, apesar do sentimento de “orfandade espiritual” sentido com a sua morte, como sublinhou o P. Provincial, foram dias de grande comoção e simultânea alegria, marcados por muitos risos e lágrimas, pela memória de muitas histórias, e por uma enorme gratidão por tanto bem feito a tanta gente. De Lisboa a Braga, passando por Coimbra, onde iniciou a sua fervorosa vida pastoral, pelo Porto e por Évora, onde residia atualmente, foram milhares as pessoas que marcaram presença nas várias eucaristias de ação de graças realizadas.

O álbum de memórias do P. António foi aberto pelo P. Vasco Pinto de Magalhães, seu amigo de infância e companheiro jesuíta desde o primeiro dia de Noviciado, que na homilia da missa de corpo presente, realizada no domingo à noite na Igreja do Colégio São João de Brito, em Lisboa, lembrou vários momentos da longa vida do P. António. O amigo Vasco recordou o António dos bancos da escola, com ainda 10 anos, o António que vinha visitar os pais a Lisboa, já jesuíta, e o António das discussões teológicas ao pequeno almoço, em Coimbra, onde juntamente com o P. Alberto Brito e o próprio P. Vasco se lançaram na aventura de criar um centro universitário. Emocionado com estas recordações e comovido com o luto que diz ter começado a fazer no dia 3 de junho, no final da celebração dos 80 anos do amigo, o P. Vasco recordou outros momentos relevantes da vida de ambos, e alguns decisivos para a história da Companhia em Portugal, como a reunião com o P. Arrupe em Roma onde foram apresentar o projeto dos centros universitários e do P. Geral ouviram as seguintes palavras: “é mesmo isso, é por aí o futuro, o caminho, agora inventem”.

Entres os vários “slides” partilhados pelo P. Vasco com os que vieram despedir-se do P.  António constava uma imagem bastante recente, o do momento em que o P. António rezou a oração de Santo Inácio, na missa dos seus 80 anos, precisamente um mês antes, no dia 3 de junho. “Foi ao rezar o seu ´Tomai Senhor e recebei’ que ele fechou o livro da sua vida”, afirmou, emocionado, sublinhando, contudo, que o amigo António não partiu deste mundo, apenas chegou ao santuário, ao seu destino, como se de uma peregrinação se tratasse. Ainda nesta comovente celebração, também o P. Provincial sublinhou que o P. António “chegou ao reino que andou a construir”, afirmando ainda que a sua grande virtude era não ter vergonha de mostrar os seus defeitos. O P. Miguel Almeida contou ainda algumas conversas com o P. António já nesta fase final da sua doença, confidenciando que este sabia claramente o estado da sua saúde, mas que lidou com a situação com enorme naturalidade e serenidade até ao fim.

No final da missa, marcada pela presença de tantos amigos e familiares, Pedro Vaz Pinto, irmão do P. António, lembrou o sorriso desarmante e encantador do irmão, mas também as suas impaciências e irritações, em nada comparáveis com as suas virtudes e a sua energia contagiante.

“A morte é a porta da ressurreição”

Na primeira eucaristia celebrada em ação de graças pela vida do jesuíta falecido, na sexta-feira ao final do dia, na Igreja de São Roque, em Lisboa, o P. António Júlio Trigueiros também realçou a enorme serenidade com que o P. António Vaz Pinto encarava a morte. Parafraseando as suas palavras na última entrevista que deu ao Ponto SJ, em finais de maio, o reitor da Igreja de São Roque, que sucedeu ao P. António nesta missão, sublinhou ainda a sua enorme fé na ressurreição: “Nessa entrevista, disse: ‘A morte é a porta da ressurreição. Por isso, se me disserem que eu vou morrer amanhã, não me afeta nada, não preciso de mais de 15 minutos, é só mudar de casa”. Nessa primeira celebração que encheu esta emblemática igreja para a história da Companhia de Jesus esteve presente o Presidente da República, que numa mensagem evocativa no site da Presidência lembrou as “raras qualidades humanas e vocacionais, o seu poder de mobilização dos jovens dele fez um arauto inspirador de causas e missões comunitárias”. Reconhecendo ser seu amigo e admirador desde sempre, Marcelo Rebelo de Sousa recordou o P. António com profunda homenagem e saudade.

No sábado ao final do dia, as recordações do P. António vieram a público pelo P. Fernando Ribeiro, seu superior na comunidade de Évora, onde atualmente vivia, e que com ele partilhou os últimos momentos da sua vida, antes de entrar no hospital. Na celebração da eucaristia de ação de graças, o companheiro jesuíta reforçou a enorme tranquilidade com que o P. António encarava a morte e a sua profunda fé na ressurreição e na vida eterna. Nesta missa, também os Leigos para o Desenvolvimento expressaram a sua gratidão para com o seu fundador, numas palavras agradecidas onde lembraram a sua entrega profunda à missão e a boa disposição contagiante.

Já esta manhã, na missa exequial, o cardeal patriarca de Lisboa realçou as imensas qualidades humanas do P. António, considerando que estas não teriam tido eficácia se ele não as tivesse vivido a partir de Deus. “A vida vivida em Deus abre-nos uma capacitação imprevisível. O P. António teve uma vida descentrada de si próprio, e esta realidade é que faz com que as coisas se eternizem”, afirmou D. Manuel Clemente, lembrando as obras erguidas e criadas pelo jesuíta, como os centros universitários de Coimbra e Lisboa, o Banco Alimentar contra a Fome, o Centro São Cirilo, os Leigos para o Desenvolvimento ou aquelas em que colaborou, como o Alto Comissariado para as Migrações.

As celebrações de ação de graças pela vida do P. António Vaz Pinto prosseguirão nos próximos dias, estando previstas duas missas de sétimo dia: a primeira na quarta-feira às 19h na Igreja de São Roque, em Lisboa, e a segunda em Évora, na Igreja da Misericórdia, na quinta-feira, às 19h15, que será presidida pelo arcebispo D. Francisco Senra Coelho.

 

Fotografias: Ricardo Perna

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.