José, um Santo em espanto permanente

São José é um santo particularmente bem adaptado para nos ajudar neste tempo de viroses. José foi de surpresa em surpresa, de espanto em espanto, tal como nós temos acompanhado a evolução da pandemia de covid-19 .

São José é um santo particularmente bem adaptado para nos ajudar neste tempo de viroses. José foi de surpresa em surpresa, de espanto em espanto, tal como nós temos acompanhado a evolução da pandemia de covid-19 .

Todos conhecemos as surpresas, o espanto de São José. A surpresa, a grande tristeza e deceção com a gravidez da sua noiva. Aquela rapariga que parecia tão boa e tão amiga do Senhor vai agora fazer uma coisa destas! E agora o que é que eu faço? (O Evangelho diz que ele «resolveu», mas não diz que resolveu num instante.) Deve ter meditado e rezado com muito sofrimento sobre a gravidez de Maria. Depois, a surpresa de o filho de Maria ser fruto da ação do Espírito Santo. Claro que estava descansado que Maria não lhe tinha sido infiel. (E que alegria teriam sentido quando se voltaram a encontrar, depois do sonho de José.) Mas também devem ter conversado sobre o que iria significar, nas suas vidas, aquela criança que eles iam educar ser filho de Deus. Teriam de lhe dar alguma educação especial? Quantas perguntas não se terão feito. Depois, a surpresa de ter de ir a Belém recensear-se quando Nossa Senhora estava mesmo no fim da gravidez. Depois, a surpresa de Deus não ter «arranjado» um sítio melhor para o seu Menino – o Menino de Deus – nascer.

Não podemos imaginar um presépio bonitinho como o das nossas casas, mas um verdadeiro estábulo com a imundice própria dos animais e uma manjedoura que José teve de limpar o melhor que pôde. Os animais também não eram os dos nossos presépios, mas durante aquele tempo continuaram a sujar o estábulo e a lançar um certo fedor. As circunstâncias do nascimento de Jesus foram uma prova para a sua fé. Até porque o anjo tinha dito que o Menino seria «chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente na casa de Jacob, e o seu reino não terá fim» (Lc 1, 32.33). São José e Nossa Senhora não deviam perceber grande coisa do que se estava a passar. Tiveram que confiar absolutamente em Deus, sem verem nenhuma luzinha ao fundo do túnel. Mas as suas surpresas iam só no princípio. Depois de tudo isto, quem é que vem adorar o Menino? Os membros do Sinédrio? As autoridades religiosas? Não. Quem veio adorar o Filho do Altíssimo, cujo reino não teria fim, foram as pessoas mais desprezadas da sociedade: os pastores. A sua pobreza e isolamento nas pastagens, fora dos limites da cidade, causavam um misto de temor e suspeição. Mas ao mesmo tempo ouviram os anjos. Como que a confirmar que Deus estava com o Menino. No meio de todas aquelas desilusões, os anjos vieram cantar ao Menino e consolar os pais. Depois, os magos foram outra confirmação. Trouxeram presentes próprios da divindade e da realeza e não eram judeus, o que terá feito Nossa Senhora e São José pensar que aquele Menino não vinha só para os judeus. E isso estava de acordo com alguns salmos. Mas claro que também não estavam à espera da visita dos magos.

São José e Nossa Senhora não deviam perceber grande coisa do que se estava a passar. Tiveram que confiar absolutamente em Deus, sem verem nenhuma luzinha ao fundo do túnel. Mas as suas surpresas iam só no princípio.

Depois da visita dos magos, os pais do Menino já teriam interiorizado bem que os caminhos do Senhor são insondáveis. Já começavam a esperar tudo e sobretudo a perceber que as coisas não se iam passar como eles tinham imaginado. Mas quando foram ao templo consagrar o Menino a Deus, como mandava a Lei, ouviram um profecia que os deixou perplexos. O Menino ia ser a salvação dos povos, causa de queda e soerguimento de muitas pessoas e uma espada atravessaria o coração de Nossa Senhora. Depois da adoração dos pastores e de terem ouvido os anjos já não estranhariam completamente a profecia sobre o Menino, se bem que com certeza se perguntassem como é que o filho deles ia ser a salvação das nações. Mas a profecia acerca de Nossa Senhora perturbou-os muito. O que quereria dizer que uma espada ia atravessar o coração de Nossa Senhora? Nossa Senhora morreria ao fio da espada? São Lucas diz que eles ficaram admirados. Este «admirados» esconde todo um conjunto de interrogações e sentimentos que este casal muito novo teria experimentado depois destas palavras. São José teria à volta de 18 anos e Nossa Senhora era uma adolescente. (Algumas vezes, quando imaginamos o seu tempo, imaginamos uma Nossa Senhora de Fátima inserida naquele ambiente. Mas Nossa Senhora era uma rapariguinha judia, muito novinha, no seu exterior completamente igual às outras.)

E ao fim de 12 anos, parte dos quais no Egipto, perdem Jesus. Que drama não deve ter sido, que preocupação! «Como é que fomos perder o filho de Deus?» Já um filho de 12 anos não ter embarcado no avião connosco é uma grande desgraça. Agora o leitor imagine ter perdido o Filho de Deus! Foram três dias de grande angústia e, com certeza, de um grande sentimento de culpa. E depois também não perceberam a resposta de Jesus. O que é que quereria dizer «ter que se ocupar das coisas do Pai?» Estar-se-ia a referir ao Espírito Santo, de quem Maria concebeu? Porque esse é que era o pai do Menino… (Lembremo-nos que os judeus não tinham a imagem de Deus como o Pai que Jesus veio revelar.) O Evangelho diz-nos que Nossa Senhora meditava estas coisas no seu coração, mas é perfeitamente lícito pensar que também as conversava com José.

Por tudo isto, São José é um santo particularmente bem adaptado para nos ajudar neste tempo de viroses. José foi de surpresa em surpresa, de espanto em espanto, tal como nós temos acompanhado a evolução da covid-19 e, agora, a eficácia, ou falta dela, das vacinas aprovadas, de surpresa em surpresa, de inquietação em inquietação mas firmes na fé. Peçamos a São José a graça da certeza de que Deus está sempre connosco em todos os momentos, para podermos dizer com o salmista: «ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo porque Tu estás comigo» (Salmo 23, 4).

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MURILLO, 1650

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.