Em tempos de campanha ideológica, o elevador social está fora de serviço

Opções marcadamente ideológicas fazem com que existam menos elevadores sociais, levando muitos a subir os vários lances de escadas que separam os jovens de “Portalegre, Viseu ou Bragança” e a vida que aspiram a ter.

Opções marcadamente ideológicas fazem com que existam menos elevadores sociais, levando muitos a subir os vários lances de escadas que separam os jovens de “Portalegre, Viseu ou Bragança” e a vida que aspiram a ter.

Numa semana em que o dia de Portugal ficou marcado pelo tremendo discurso de João Miguel Tavares (JMT), a notícia de que o Colégio Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC) irá encerrar por inviabilidade financeira é a evidência crua e real das palavras proferidas no 10 de Junho.

Entre muitas outras referências meritórias de mais profunda reflexão, JMT falou ao país sobre o elevador social e as oportunidades disponibilizadas aos jovens que vivem longe das elites de Lisboa ou Porto.

Ora, é sobre esses jovens que falamos quando nos referimos ao CAIC, um colégio sito em Cernache, uma freguesia na periferia do Concelho de Coimbra. O CAIC é um estabelecimento de ensino dos Jesuítas criado em 1955, tendo funcionado em regime de contrato de associação entre 1978 e 2016, ano em que o Governo terminou, de forma unilateral e inesperada, o compromisso assumido com diversos estabelecimentos de ensino em Portugal.

Nos 64 anos em que o CAIC colaborou com o estado na sua missão de promover o ensino, fê-lo com excelência, oferecendo uma educação integral que assegurou a formação humana e académica de mais de 10.000 jovens sempre com o mesmo fim: “educar para servir”.

Em 2016, ainda ao abrigo do contrato de associação celebrado com o estado, o CAIC contava com cerca de 800 alunos. Hoje, são cerca de 200 os alunos cujas famílias têm a possibilidade de lhes proporcionar uma educação neste colégio, que deixou de ser uma opção para todos os jovens de Cernache. É aqui que as palavras de JMT e as opções do Ministério da Educação se relacionam de forma estreita. Isto é, após a cessação do contrato de associação com o CAIC, cerca de 600 jovens, daqueles a que JMT se referiu como os de “Portalegre, Viseu ou Bragança”, deixaram de ter a oportunidade de frequentar o estabelecimento de ensino que consideravam ser o mais adequado para receberem a educação na qual irão basear a sua vida.

De forma breve, um contrato de associação consiste num acordo celebrado entre o Estado e estabelecimentos de ensino privado para que estes recebessem alunos financiados pelo Estado. Um dos motivos que conduziu à sua criação foi a prestação de serviços de ensino em localidades em que o Estado não era capaz de disponibilizar esses serviços, em periferias como Cernache. No fundo, os contratos de associação funcionavam como uma, entre outras, roldana do elevador social. Sem representar um acréscimo de custos relevante, o Estado disponibilizava uma mais abrangente liberdade de escolha educativa, dando mais oportunidades às novas gerações.

No fundo, os contratos de associação funcionavam como uma, entre outras, roldana do elevador social. Sem representar um acréscimo de custos relevante, o estado disponibilizava uma mais abrangente liberdade de escolha educativa, dando mais oportunidades às novas gerações.

Acontece que, em 2016, o Ministério da Educação decidiu cessar de forma inesperada os contratos de associação com os colégios das zonas onde exista uma escola pública que pudesse prestar esse serviço. Ou seja, ao invés de se basear nas preferências dos alunos relativamente às escolas públicas e colégios sob contrato de associação a operar na mesma região, mantendo aquele que representa a escolha dos seus utentes, o Ministério da Educação tomou uma opção ideológica, dando sempre primazia às escolas públicas, independentemente das escolhas dos seus beneficiários.

E é assim – como consequência de opções marcadamente ideológicas com vista a controlar a educação em Portugal – com menos elevadores sociais, que muitos terão de subir os vários lances de escadas que separam os jovens de “Portalegre, Viseu ou Bragança” e a vida que estes aspiram a ter.

Apesar de ser um dos jovens privilegiados que vive nas elites de Lisboa, a minha formação humana ficou profundamente marcada pelo contacto com estes jovens de Cernache, estando por isso na obrigação moral de deixar este tributo a uma instituição que, durante muitos anos, prestou um verdadeiro serviço público e que hoje encerra, como consequência de uma decisão de um Ministério da Educação que se vê envolvido no meio de uma campanha ideológica.

Uma das primeiras frases proferidas por JMT foi: “não sei viver sem liberdade”. Hoje, Portugal não vive em ditadura, mas decisões como a da cessação dos contratos de associação fazem as novas gerações de jovens de “Portalegre, Viseu ou Bragança” pessoas menos livres e com menos oportunidades.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.