Blended apostolicus: oportunidades para a Igreja no digital

É algo inspirador para muitas das coisas que podemos vir a fazer em Igreja, embalados pela hiperdigitalização destes tempos: um entrelaçado fecundo (blended) entre os momentos plasmados no mesmo espaço e no mesmo tempo e outros à distância.

É algo inspirador para muitas das coisas que podemos vir a fazer em Igreja, embalados pela hiperdigitalização destes tempos: um entrelaçado fecundo (blended) entre os momentos plasmados no mesmo espaço e no mesmo tempo e outros à distância.

A situação de pandemia que vivemos forçou-nos a todos a uma maior intensidade de mediação digital. Reuniões síncronas por via de plataformas como o zoom; visualização e partilha de vídeos, textos e animações; maior interação em redes sociais; mais à vontade com recursos digitais.

Na vida da Igreja muitas das habituais interações como conferências e catequeses, reuniões de estruturas e outros encontros não pararam. A eficácia resultante surpreendeu muitas pessoas, mesmo os mais céticos, pelos progressos técnicos pessoais e pela eficiência que os processos digitais possibilitam.

Somos peregrinos. Não está no nosso ADN a simples nostalgia de desejar tão só voltar ao mesmo sítio. Por isto mesmo, há um certo mandato cristão de tirar proveito destas aprendizagens e potenciar as grandes virtudes de algumas interações digitais. Nos tempos mais próximas, espera-se, haverá uma espectável e legítima procura de presencialidade, de toque e de fisicalidade. Mas não tardará um reequilíbrio capaz de conjugar essa mesma congregação pessoal clássica com as novas janelas da tecnologia. Em educação, usa-se o termo blended-learning (abreviatura b-learning) para a utilização conjunta de momentos presenciais com interações digitais, síncronas ou assíncronas, tipicamente a distância. A palavra blended aproxima-se da palavra mistura e diz respeito à indústria do whisky, onde vários líquidos se juntavam. É algo inspirador para muitas das coisas que podemos vir a fazer em Igreja, embalados pela hiperdigitalização destes tempos: um entrelaçado fecundo (blended) entre os momentos plasmados no mesmo espaço e no mesmo tempo e outros à distância… de um clique!

Não está no nosso ADN a simples nostalgia de desejar tão só voltar ao mesmo sítio. Por isto mesmo, há um certo mandato cristão de tirar proveito destas aprendizagens e potenciar as grandes virtudes de algumas interações digitais.

São óbvias algumas vantagens das reuniões virtuais, quer na perspetiva geográfica (daqui para qualquer lugar do mundo, e vice-versa…) quer por aspetos muito práticos como: poder estar em casa, com filhos pequenos, doentes ou dormindo, poupar combustível, ganhar algum tempo, aliviar o trânsito, bem como outros contributos indiretos para a saúde da Casa Comum. Em síntese, um potencial incremento da assiduidade. Digo isto quer para aqueles encontros de preparações de eventos, secretariado e planeamento, quer para outros eventos de natureza mais “apostólica” (convivo bem com o termo – apostólico – mas sublinho que o sentido apostólico é da ordem do ser e essa ontologia é pouco dada a estratégias e a militâncias muito dirigidas…).

Poderíamos chamar a certa vida futura da nossa comunidade, b-Igreja (b de blended). De fora, compreende-se pela própria essencialidade do toque, os sacramentos. A eucaristia, em particular, não me pareceu ganhar muito com a mediação digital. Independentemente da emissão para terceiros, de per si, a missa (física) em COVID apresenta notárias falhas cénicas (mascaradas) e fragiliza intrinsecamente a liturgia. Em particular, saliento a antítese de evitar o contacto quando se celebra a comunhão. Compreende-se o mal menor das missas transmitidas em pandemia, já praticado pela via televisiva em pré-pandemia,. Intensificou-se por aí uma marcada regressão, na forma como alguns se referem à eucaristia usando essa terrível expressão: “assistir” à missa…

Por outro lado, passível de potencialidade digital, claro está, estão realidades como o acompanhamento espiritual, as reuniões comunitárias de fé e de vida, conferências temáticas, debates, catequeses, secretariado de equipas de serviço, etc. Será lamentável se não se aproveitar este embalo. O formato blended (não falamos de digitalização exclusiva) será equilibrado e permitirá respeitar os vários ritmos. Não será razoável, em pós-pandemia, fazer reuniões de cariz nacional, principalmente de secretariado, no formato virtual (pelo menos algumas vezes, senão na maioria dos casos…)? Não será interessante evitar viagens cansativas e arriscadas, principalmente no Inverno, fazendo-se a parte ou o todo de um grupo, presente não fisicamente? Pode colocar-se a questão, aqui e ali, de haver ritmos e sensibilidades diferente na tensão encontro presencial/encontro digital. Para estes dilemas sugiro o caminho salomónico, respeitador de todas as equações e estilos: quem entender como melhor estar fisicamente, assim estará. Quem entender como melhor (ou só puder assim), estará digitalmente. Estes formatos mistos presencial/digital parecem-me de enorme futuro. Hoje em dia, tecnicamente, qualquer telemóvel de gama média colocado no meio de uma mesa, capta o som do conjunto e fornece a participação de quem estiver a distância. Para eventos com mais pessoas, não será desproporcionado adquirir um microfone/emissor de maior alcance, dispositivos cada vez mais acessíveis e que otimizam a receção e emissão de som para grupos de muita gente.

O formato blended (não falamos de digitalização exclusiva) será equilibrado e permitirá respeitar os vários ritmos. Não será razoável, em pós-pandemia, fazer reuniões de cariz nacional, principalmente de secretariado, no formato virtual (pelo menos algumas vezes, senão na maioria dos casos…)

Costuma ser notado, no contexto destes argumentos, o problema da infoexclusão, particularmente dos mais idosos ou desprotegidos económico-culturalmente. Sem prejuízo de ser precisa ainda alguma solidariedade cristã digital, impressionou nestes tempos a quantidade de pessoas que se superaram e apareceram on line. Mais ainda (e digo-o com experiência própria), foram lançadas e vividas oportunidades a gente do interior do país, nos mais variados lugares europeus e até do outro lado do oceano.

Pode caber aqui, em véspera de ano inaciano, o exemplo de Inácio, forçado a parar em confinamento por fraturas da vida. O seu momento Pamplona (equivalente ao nosso momento COVID…) levou-o a reformular (-se) e a reformular a vida. O essencial desta resignificação que vivemos não é a digitalização mas existirá, também no bom uso da tecnologia, uma alternativa de alavancamento.

Sim… há perigo de sofá, de quentinho, de ir pelo mais fácil. Por outro lado, via tanta gente cansada, a ir a todas… Via uma sociedade poluída, ruidosa, azafamada (mesmo com a agenda das ‘coisas de Deus’), excessivamente urbanizada… Caberá a cada um e a cada grupo ir vendo e avaliando sistemicamente tudo isto, surfando nas aprendizagens COVID. Aferir o grau blended para a bebida do grupo… ou até tomar sempre whisky quase puro! Com ânimo e alegria há que ir caminhando, com um pé na fisicalidade e outro pé no digital…

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.