Quem é Satanás?

Um "clássico" com mais emoção que o Benfica-Porto, a etimologia dos nomes do Diabo e ainda duas dicas para o Trivial Pursuit.

Um "clássico" com mais emoção que o Benfica-Porto, a etimologia dos nomes do Diabo e ainda duas dicas para o Trivial Pursuit.

1. Um texto bíblico

Na semana passada, falámos do deserto e do seu significado na Bíblia (pode ver o texto AQUI – “3 Segredos sobre o Deserto”). Esta semana, acompanhamos Cristo ao deserto, para ser tentado.

«Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.
O tentador aproximou-se e disse-lhe: “Se Tu és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães.” Respondeu-lhe Jesus: “Está escrito: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.” Então, o diabo conduziu-o à cidade santa e, colocando-o sobre o pináculo do templo, disse-lhe: “Se Tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito:
Dará a teu respeito ordens aos seus anjos;
eles suster-te-ão nas suas mãos
para que os teus pés não se firam nalguma pedra.”
Disse-lhe Jesus: “Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus!”
Em seguida, o diabo conduziu-o a um monte muito alto e, mostrando-lhe todos os reinos do mundo com a sua glória, disse-lhe: “Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.” Respondeu-lhe Jesus: “Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto.”
Então, o diabo deixou-o e chegaram os anjos e serviram-no.»

Mateus 4, 1-11


2. O esclarecimento

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Ivan Kramskoï (1837-1887), Cristo no deserto (óleo sobre tela, 1872) Tretyakov Gallery, Moscovo

| Revemos o jogo | 

Gosta dos duelos do género Neymar – Ronaldo, Nadal – Federer ou Borg – McEnroe? Hesita sempre quando tem de escolher entre os Rolling Stones e os Beatles? Esta semana, falamos de um combate a um outro nível, um frente a frente de que se fala ainda, 2000 anos depois: Jesus vs Satanás.

Resultado final: 3 – 0! 3 tentações, 3 golpes imponentes de Cristo: uma vitória sem igual. Quisemos rever o jogo, para compreender a tática do adversário, perguntando-nos: Quem é Satanás?

| Os nomes do  😈 | 

Para responder a esta pergunta, o texto do Evangelho de Mateus é uma boa ajuda. Nele, o diabo é chamado com três nomes: «diabo», «Satanás» e «tentador».

Comecemos pela etimologia para compreender o que os três nomes significam e o que dizem do nosso inimigo público número 1:

  • Diabo” vem do grego diabolos que significa literalmente “divisor”: o diabo é aquele que divide. Faz jus ao nome, já que, por duas vezes, diz a Jesus: “Se tu és o Filho de Deus”… Se traduzíssemos literalmente, seria “Se «filho» é o que tu és, em relação a Deus”… Ou seja: o desafio lançado a Jesus diz respeito à Sua maneira de se situar em relação ao Pai. O diabo não duvida da filiação divina de Cristo, mas põe-na à prova. E tenta dividir o Pai e o Filho.
  • Satanás” vem do hebreu e significa “acusador”. É um termo recorrente na Bíblia. O anjo acusador encarrega-se de pôr à prova os servidores de Deus, para testar a fidelidade deles. Satanás pede a Jesus que prove a Sua identidade, que prove quem é. O objetivo seria culpabilizar o interlocutor, caso ele não fosse capaz de responder.
  • Tentador” é a tradução do termo grego peirazôn, que literalmente significa “aquele que põe à prova”. A “prova” consiste em escolher entre a prática do bem e a tentação do mal. Ora, cada prova que ultrapassamos abre-nos sempre a novas perspetivas, a um “mais”. No caso de Jesus, é a humanidade inteira que tem acesso a uma nova realidade. Ao contrário de Adão e Eva, Jesus não cede perante o tentador e anula os seus artifícios e falácias.

Enfim… um tentador, um acusador… um animal selvagem: eis o Diabo, em todo o seu esplendor!

À margem desta esmagadora vitória de Jesus contra o diabo, os místicos cristãos sublinham um aspeto importante para os “pobres pecadores” que somos: o sentimento de culpa, quando não conduz à conversão, é fruto de uma acusação do diabo! Deus não “acusa”: quando revela o pecado, é para ser misericordioso para com o pecador.

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James Tissot (1836-1902), Jesus tentado no deserto (aquarela e guache, 1886-1894), Brooklyn Museum, Nova Yorque.

🌟 Para fazer boa figura diante dos outros: Ao contrário das representações habituais das tentações de Cristo, aqui James Tissot optou por mostrar o tentador, não como um diabo com cornos, mas como um eremita a morrer de fome. E assim revela toda a ambição maléfica: tentar Jesus – faminto, também Ele – sob aparência de caridade, convidando-o a transformar as pedras em pão.


3. E ainda uma palavra final…

Ainda que o lugar exato da tentação de Cristo não seja mencionado no Evangelho, a tradição medieval situa-o numa montanha da do vale de Jericó, conhecida por Jabal al-Qarantal, em árabe. Os peregrinos e os turistas conhecem-no commumente como o “Monte da Tentação”

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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