Virar a página do século XXI

Os 17 ODS têm uma coisa em comum: afirmam, cada um no seu campo, que a sustentabilidade é o mais básico e decisivo desafio que confronta a Humanidade esteja ela onde estiver, tenha ela o grau de desenvolvimento que tiver, seja ela quem for.

Em tempo de pandemia, quando ficou à vista a nossa total interdependência enquanto Humanidade una e única, não é demais relembrar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), lançados pela ONU em finais de 2015, pelo desafio que colocam e pela esperança que trazem.

Os ODS chegam na sequência de um longo processo que já traz décadas e do reconhecimento crescente da necessidade de alterar um sistema económico insustentável que assenta historicamente na exploração ilimitada de recursos finitos e na perpetuação das mais desumanas desigualdades sociais

E não podemos sequer dizer que é novidade. De há muitas dezenas de anos para cá, que cientistas de vários quadrantes alertaram para a insustentabilidade ambiental e social do sistema que estava a ser construído. Mas a vertigem eufórica dos ganhos levou sempre a recusar esses avisos como agoiros de desmancha-prazeres.

Desde a constituição da FAO, no pós-guerra, com os alertas do seu primeiro presidente, o agrónomo e médico Josué de Castro (Geopolítica da Fome, 1951); ao célebre livro de Rachel Carson (Silent Spring, 1962); ao Clube de Roma e respetivo Relatório Meadows sobre os “Limites do Crescimento” (1968); às crises do petróleo dos anos 70; ao galopante esgotamento dos recursos naturais denunciados no relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum (1987); à escalada da desflorestação, da escassez de água, da desertificação, da perda de biodiversidade e das alterações climáticas que originaram convenções na Cimeira do Rio de 1992; e, mais tarde, o Protocolo de Quioto de 1997 e os sucessivos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas). Todos estes avisos foram-se tornando cada vez mais nítidos aos olhos da opinião pública e dos responsáveis políticos – quase sempre negligentes face ao que consideravam profecias da desgraça num mundo em vertigem desenvolvimentista.

De há muitas dezenas de anos para cá, que cientistas de vários quadrantes alertaram para a insustentabilidade ambiental e social do sistema que estava a ser construído. Mas a vertigem eufórica dos ganhos levou sempre a recusar esses avisos como agoiros de desmancha-prazeres.

Demorou demasiado tempo para se perceber a profunda interligação entre estas más notícias e as crises sociais – seja as da persistente pobreza do designado Sul global, seja as das ruturas sociais do mundo desenvolvido. Mas a pobreza e as desigualdades sociais mostraram-se finalmente como a outra face da exaustão natural do planeta, e a implicação recíproca de ambas passou a designar-se a “insustentabilidade” do sistema.

Foi para contrariar este horizonte de derrocada das sociedades humanas no planeta, que a ONU, enquanto autoridade que detém a chave do sistema internacional, se tem mobilizado e, após inúmeras negociações, lançou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Ao contrário dos anteriores Objetivos do Milénio (ODM 2000-2015) que apenas consideravam os países em desenvolvimento, os ODS (2016-2030) abrangem todos os países do mundo definindo 17 objetivos claros, que devem ser implementados em cada país, orientando políticas nacionais e medidas de cooperação internacional numa visão integrada sobre os problemas ambientais, sociais e económicos, com metas claras até 2030.

Os temas e problemas são tão diversos e importantes como: a erradicação da pobreza e da fome, a redução das desigualdades sociais, o acesso à saúde, à educação, à água e ao saneamento; o combate às alterações climáticas e à degradação dos ecossistemas marinhos e terrestres; energia acessível e limpa para todos; reforço da igualdade de género; produção e consumo responsáveis e cidades sustentáveis; novos empregos; acesso à justiça; combate à corrupção; estabelecimento da paz e democracia; parcerias e cooperação e instituições fortes que protejam os bens comuns.

Neste momento, em que estamos a cerca de 10 anos da meta cronológica dos ODS, o desempenho de cada um deles continua muito desigual, tanto em termos de escala da sua realização, como dos lugares do mundo e dos países. Mas uma coisa é certa e decisiva: sem eles encerra-se a esperança, aliás, encerram-se as esperanças todas.

Na fase particularmente difícil que atravessamos, convém sublinhar que não será nunca com meras medidas financeiras ou operações de tesouraria e a regar com subsídios perversos atividades sem futuro, que se resolverá a crise, as crises.

Na fase particularmente difícil que atravessamos, convém sublinhar que não será nunca com meras medidas financeiras ou operações de tesouraria e a regar com subsídios perversos atividades sem futuro, que se resolverá a crise, as crises. O que se pretende justamente evitar é que os atuais estímulos para restaurar a economia não incorram nos mesmos erros que nos levaram às crises e que levarão a outros colapsos iguais ou diferentes daquele que vivemos atualmente, mas colapsos na mesma.

A vantagem é que dispomos hoje efetivamente de recursos de conhecimento e de soluções tecnológicas que permitem já configurar um sistema económico bem diferente – ambiental e socialmente sustentável e também economicamente viável.

Os 17 ODS têm uma coisa em comum: todos afirmam, cada um no seu campo, que a sustentabilidade é o mais básico e decisivo desafio que confronta a Humanidade esteja ela onde estiver, tenha ela o grau de desenvolvimento que tiver, seja ela quem for. Se há palavra que se tenha instalado em tudo da nossa vida é esta da ‘sustentabilidade’, o que quer dizer basicamente viabilidade a todos os níveis, e muito especificamente a nível de suporte ambiental, da coesão social e da economia verde e circular.

Acresce que os ODS estão depois especificados em 169 metas, transformando aquilo que poderia ser uma ideia angustiosa num verdadeiro plano de ação, ou seja, num entusiasmo público que nos mobiliza, que nos une, que promove o encontro entre humanos e entre os humanos e a natureza no planeta. Terão que ser a partir de agora uma das grandes expressões civilizacionais de viragem entre dois milénios. A vitalidade da esperança, que anima as sociedades até nas condições mais difíceis, ajudará a encontrar caminhos para o futuro que todos precisamos.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.